Flashes de nossa histórias em épocas remotas
Da janela entreaberta do antigo casarão, construído nos idos tempos — finais do século XVIII e que ocupava o atual (2022) número 744 da rua Domingos Ribeiro de Rezende, vê-se o terreno onde está construída hoje, a Comunidade São Pedro de Rates — seu vizinho de frente. Janela entreaberta para o mundo da imaginação, das lembranças dos tempos que se passaram, e que devem ser reconstruídos. Reconstruídos sim e, no esforço coletivo e pós pandêmico, buscar encontrar nossas origens.
A Cachoeira dos Rates que através dos tempos tornou-se a Carmo da Cachoeira de hoje é resultado de um grande esforço que congregamos como valores humanos e ao que construímos como seres dinamizadores da essência que move a formação e transformação das cidades. Identificamo-nos com Lúcia Maria Bittencourt através de seu poema publicado em Antologia Poética (Poetize 2022. Série Novos Poetas nº 40, fev-2022. Organização Isaac Almeida Ramos, fls. 284), quando escreve:
Agora surge um verde-noite com as sombrias luzes desses morros,
Contra um azul muito escuro, tarde, noite e triste, como as Árias.
Observando da janela entreaberta do antigo casarão vislumbramos a Cachoeira dos Rates em sua dinâmica e formação nos idos anos do século 18 quando, em sua primeira casa — a de Manoel Antonio Rates é batizado Felix, filho de Rita (Pimenta?). Padrinhos: Anna da Costa, filha de Manoel Antonio Rattes e Manoel da Costa (irmão de Anna) em 12.6.1775. Casa construída aos pés do morro, junto a um caminho alternativo.
O ano marco, portanto, é 1775. Era a Comarca do Rio das Mortes. O arraial das Lavras do Funil, foi um dos principais representantes desta comarca, no setor agropecuário. As plantações que apareceram na segunda metade do século 18, eram diferentes das roças do início do século — improvisações pelo medo de morrer de fome.
A jurisdição espiritual dos arraiais estabeleceu a freguesia nas capitanias. Lavras do Funil, logo que se criou o Bispado de Mariana, através de seus habitantes construiu uma capela e Pia Batismal. Até então pertencia a Freguesias das Carrancas, criada em 1749.
Em 1760 a Capela de Sant’Ana no Arraial de Lavras é elevada à categoria de Matriz dando-se, assim, a transferência da sede paroquial de Carrancas (a que a Cachoeira dos Rates tinha como jurisdição religiosa) para os campos de Sant’Ana das Lavras do Funil. Desde então a freguesia passou a aparecer com o nome de Nª. Srª. da Conceição das Carrancas e Sant’Ana das Lavras do Funil. Ao findar o século 18, a freguesia pertencia ao termo da Vila de São João del Rei, sede da Comarca do Rio das Mortes.
Em 1808, com a vinda da Família Real para o Rio de Janeiro, as antigas capitanias passaram a receber a denominação de Províncias. O centro de autoridade política do Brasil foi assim transferido para o Rio de Janeiro.
Márcio Salviano Vilela em sua obra, A Formação Histórica dos Campos de Sant’Ana das Lavras do Funil (Ed. Indi, 2007, fls. 55) conclui que a presença da Corte no Brasil trouxe uma maior integração em sua nacionalidade e escreve:
Surge finalmente uma política brasileira, o que para o Brasil, um país em formação, assemelha-se mais a um sistema coletivo de interesses privados do que uma nação.
Não temos notícia, até a edição deste artigo, da data em que morreu Manoel Antonio Rates e nem se ele chegou a saber dos fatos ocorridos com a vinda da Família Real para o Brasil, do regresso forçado de D. João VI a Portugal; que, Pedro I assumiu a regência em 1821 com a instalação das Cortes de Lisboa, compostas de 13 deputados portugueses e 75 brasileiros; da outorga da Constituição de 1824, no entanto, não só este casarão, de cuja janela entreaberta se vislumbra a Nordeste a Vila de Lavras do Funil, mas outras imagens resgatadas insistem em nos lembrar que um dia fomos chamados Cachoeira dos Rates.
Em 1832, a Vila de Lavras do Funil estava dividida em três freguesias:
A da Vila, contendo os distritos da mesma, de São João Nepomuceno, do Carmo da Boa Vista, Ingaí e do Rosário, entre outros. (conf. fls. 60, obra acima citada).
Em 1837 a Vila de Lavras do Funil contava com os seguintes distritos: Ingaí, Três Pontas, Dores do Pântano, Água-Pé, Boa Vista, Carmo do Campo Grande, Varginha, Espírito Santo dos Coqueiros, São João Nepomuceno e Rosário. Nestes onze distritos mais a sede deles, conforme recenseamento de 1837 contava com 11.322 pessoas.
O casarão cuja imagem abre este artigo ficava na esquina, da hoje, rua Domingos Ribeiro de Rezende, esquina com a rua Francisco de Assis Reis. A época, conforme consta em um termo de visita do Cônego Bernardo Hygino Dias Coelho, em 24 de junho de 1870, a grafia da atual Carmo da Cachoeira, Minas Gerais, era “Freguesia da Caxoeira do Carmo da Boa Vista”.
A presente geração deve ficar por entender o porquê de, ao se falar de Carmo da Cachoeira fazemos referências a Carrancas e a Lavras. É por que a Capela de Nossa Senhora do Carmo pertencia a Freguesia de Lavras, Termo da Vila de São João D’El Rey.
Quanto ao casarão sabemos ter sido ele a residência de Balthazar Simões Corrêa de Barros. Ficava na estrada de acesso à Varginha e Três Pontas. Este caminho passava por importantes fazendas, a começar por Córrego das Pedras de propriedade por Cel. Domingos Ribeiro de Rezende.
Sobre a personalidade do Cel. Domingos de Rezende é Capri (1918) que diz: "(...) moço inteligente, lavrador adiantado e espírito culto e arrojado”. Em 1918, ele representou o distrito de Carmo da Cachoeira no Conselho Municipal, onde ocupou cargo de vereador e pelos dotes de seu coração, pelo seu caráter leal, e pelo brilho de sua inteligência foi reconhecido como chefe político no município de Varginha.
Fotos de Evando Pazini:
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