Como eu gostaria de falar, abrindo meu coração às pessoas - àquelas que não têm noções do meu sofrimento ao longo dos anos. Já fui feliz e vivia contentíssimo quando esbanjava saúde, quando as águas eram abundantes.
A vida sã auxiliava a população ribeirinha, que vivia da pesca, da agricultura e da pecuária. Sempre falaram da minha importância na vida deles.
Hoje vivo com sede, mas lembro-me que sempre fui um rio de muita água e em detrimento dessa minha situação confortável , as pessoas tinham vida em abundância .
Nasci muito longe da minha foz, distante mais ou menos três mil quilômetros e confesso que minha infância ocorreu lá pelas bandas da Serra da Canastra, no estado de Minas Gerais, lado norte da Mantiqueira. Eta gente boa! Se dela dependesse, minha vida seria uma eternidade.
Velho Chico como é o meu apelido, vivo cansado. Cansado de ser generoso e de ver a população que me cerca, sofrida, idosa e sem saúde.
Dependo de alguns coadjuvantes, cujas águas jorram sobre mim para continuar a viver. Seus nomes são diferentes : Rio Grande e Rio das Velhas, não podendo deixar de citar o Paracatu, o Corrente e o Paraopeba. Faço festa quando suas águas me molham e como teria imensa satisfação em vê-los me encharcando. Eles colaboram para que eu mate a sede de outros amigos, que me auxiliam na irrigação de grandes extensões de terras, que são nada menos que seiscentos quilômetros quadrados.
Nas minhas andanças por esses Brasis afora, conheci indivíduos chamados de biomas, quais receberam os nomes de: Caatinga, Cerrado e Mata Atlântica. São velhos como eu, e sofrem dos mesmos desmandos humano. Com a história de sustentar a economia do país, enchem os próprios bolsos. São os empresários, latifundiários e políticos que exercem uma função chamada “curral eleitoreiro”.
Ah! Por falar em curral, esse é também outro epíteto que me deram “rios dos currais”, nada haver com aquele.
Se assim continuar, as minhas águas vão escassear-se e os biomas, quais foram dantes amigos, tornar-se-ão desertos.
Os homens construíram pontes para passar de uma margem à outra, mas existem lugares sem elas, onde as pessoas se movimentam com facilidade e o fazem por entre as pedras.
As minhas águas vão saneando, ao longo do curso, outros estados, como é o caso da Bahia, de Pernambuco, de Sergipe e de Alagoas. Por isso sou conhecido como Rio da Integração Nacional e olha que fui engendrado em terras brasileiras, dela nunca saí, e jogo as minhas poucas águas no Velho Oceano Comercial, contribuindo para com o aumento de suas águas e, digo mais, de doce que me era tornei-me salgado e assim pude escrever com letras garrafais : Genuinamente Brasileiro.
Não sou todo navegável, mas levo no meu bojo: sal, arroz, soja, cimento, areia, produtos manufaturados, madeira (que é uma pena!), alguns minerais e ainda levo turistas para passear, quando podem ver as mais belas paisagens ribeirinhas.
Dois fatos foram acontecendo em minha vida. Um deles é o represamento das minhas águas que servem até hoje para gerar energia elétrica. O outro é mais grave que este, pois, desviaram minhas águas dizendo que é para resolver o problema da falta d'água no sertão nordestino , mas na verdade a história é bem outra: servir a agroindústria , o que está me deixando irritado, pois , as pessoas pobres não estão tendo acesso a essa grande fonte de vida, e para que isso não aconteça, estão colocando cerca ao longo dos canais e farpeando, fazendo com que a população não se achegue a mim.
As águas que levo na minha cauda servem apenas aos poderosos desta terra abençoada , mas tornar-se-ão malditas quando só servirem aos coronéis da região.
Professor Adilson José da Cunha
06/06/2013
Comentários
Moro em São João do Sabugi - seridó tórrido do RN, achei muito lindo toda sua explanação sobre o " Velho Chico ", só discordo do que toca ao assunto do desvio do mesmo, venha ver e conferir, se aqui realmente existe ou não seca braba! O desvio das águas do rio é a única salvação de toda nossa região.Aqui já não existe mais pássaros, abelhas, flores, nem frutos ! venha conhecer o seridó, ainda te garanto que daremos um jeito do Senhor não sentir sede !
Um abraço fraterno !
Anchieta França ( Fotógrafo )