APRENDENDO COM OS SANTOS
Longe de mim, Senhor, longe do coração do teu servo, que se confessa diante de ti, longe o pensamento de que uma alegria qualquer possa torná-lo feliz. Há uma alegria que não é concedida aos ímpios, mas àqueles que te servem por puro amor: essa alegria és tu mesmo. E esta é a felicidade: alegrar-nos em ti, de ti e por ti. É esta a felicidade e não outra. Quem acredita que existe outra felicidade persegue uma alegria que não é verdadeira; contudo, a sua vontade não se afasta de certa imagem de alegria.
Portanto, não podemos dizer com segurança que todos queiram ser felizes, pois aqueles que não querem alegrar-se em ti – única felicidade – certamente não querem ser felizes. Ou talvez o queiram, mas “não fazem o que desejariam, porque a carne tem aspirações contrárias ao espírito e o espírito contrárias à carne” (Gl 5,17). Chegam somente até onde podem e se contentam com isso, porque não podem alcançar o que não desejam com a força necessária para obtê-lo. Pergunto a todos se preferem gozar da verdade ou da falsidade. E todos com firme resolução dizem preferir a verdade, como também afirmam querer ser felizes. Felicidade é gozo da verdade, o que significa gozar de ti, que és a verdade, “ó Deus, minha luz e salvação da minha face” (Sl 26,1). Essa felicidade, essa vida que é a única feliz, todos a querem, todos querem a alegria que provém da verdade. Conheci muitos com desejo de enganar aos outros, mas não encontrei ninguém que quisesse ser enganado. Onde conheceram essa felicidade, senão onde conheceram a verdade? Se de fato não querem ser enganados, é porque amam também a verdade. E já que amam a felicidade que nada mais é que a alegria oriunda da verdade, amam certamente também a verdade. No entanto, não a amariam se dela não tivessem alguma noção na memória. Por que não se alegram nela? Por que não são felizes? Porque se empolgam demais com outras coisas, que os tornam infelizes mais facilmente do que a verdade os faria felizes, a verdade que tão debilmente eles recordam. E ainda resta um pouco de luz entre os homens, que eles prossigam, prossigam no caminho, para que a escuridão não os alcance.
No entanto, por que a verdade gera o ódio, e o homem que anuncia a verdade em teu nome se torna inimigo daqueles que amam a felicidade, que consiste exatamente na alegria oriunda da verdade? De fato, o amor da verdade é tal, que os que amam algo diferente querem que aquilo que amam seja a verdade. Como não admitem ser enganados, detestam ser convencidos do seu erro. Assim, odeiam a verdade porque amam aquilo que supõem ser a verdade. Amam-na quando ela brilha, e a odeiam quando ela os repreende.
Não querendo ser enganados e desejando enganar, eles a amam quando se manifesta, e a odeiam quando os denuncia. Mas a verdade sabe retribuir: como eles não querem ser por ela revelados, ela os denunciará contra a vontade deles, e não mais se revelará a eles. Assim é o espírito humano: cego e preguiçoso, torpe e indecente; deseja permanecer escondido, mas não quer que nada lhe seja ocultado. E sucede-lhe o contrário: ele não se esconde da verdade, mas é esta que se lhe oculta. E apesar de tanta miséria, prefere encontrar alegria no que é verdadeiro, a encontrá-la no que é falso. Portanto, ele será feliz quando, sem obstáculos nem perturbações, puder gozar daquela única verdade, fonte de tudo que é verdadeiro.
Santo Agostinho
(Trecho extraído do livro “Confissões”, X, 22 e 23, Editora Paulus)
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