O descaminho dos ímpios.
Nesse descaminho da insaciável sede de ter, os ímpios perambulam, cobiçando onde levar a cabo a ambição, mas afastando tolamente o modo de aproximar-se do fim: do fim entendido não como esgotamento, mas como realização. Eles se apressam a não cumpri-lo como um fim bem-aventurado, mas a destruí-lo com um esforço vão, atraídos mais pelas aparências das coisas do que pelo Autor delas; desejam passar por todas as coisas e experimentar cada uma delas em vez de chegar ao Senhor do universo. (...) (...) Aqueles que querem conseguir tudo o que desejam, depois de um longo andar, encharcam-se de suor por uma labuta vã e não conseguem alcançar o fim de todas as coisas desejáveis. Oxalá quisessem conseguir tudo com o espírito e não com a experiência prática! Assim conseguiriam facilmente e não labutariam em vão. Porque o espírito tão mais veloz e perspicaz do que o sentido, foi concedido para ser-lhe superior em todas as coisas, de tal forma que o sentido não ouse alcançar nada que o espírito, antecipando-o, não tenha avaliado como útil. Por isso foi dito: Examinai tudo e ficai com o que é bom(1Ts 5, 21), para que o espírito cuide do sentido e este não siga o próprio desejo senão pelo discernimento daquele. Em caso contrário, tu não subirás à montanha do Senhor, nem estarás no seu lugar santo, porque em vão terás recebido a tua alma (cf. Sl 23, 3-4), isto é, uma alma racional, porque seguirás o sentido como faz o rebanho, deixando a razão ociosa e sem opor resistência. Aqueles, cujo passonão é precedido pela razão, correm, mas fora do caminho; por isso, desprezando o conselho do Apóstolo, não correm para ganhar o prêmio (cf. 1Cor 9, 24). E quando haveriam de conseguir se não querem o prêmio antes de ganhar tudo? Querer pôr a mão em tudo, desde o começo, é um caminho torto e um círculo sem fim.
São Bernardo de Claraval
(Trechos extraídos do livro De Diligendo Deo “Deus há de ser amado”, Editora Vozes, cap. VII, § 19 e 20)
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