A presença ostensiva do veado campeiro na fauna desta parte do Sul de Minas deve ter impressionado os primeiros sertanistas paulistas que andaram por essas paragens à caça de índios para serem preados, a partir de meados do século XVII (1600). Os topônimos “Sertão do Cervo”, “Rio do Cervo”, “Ribeirão Couro do Cervo” em Carmo da Cachoeira, “Ribeirão do Cervo” nas proximidades da Serra de Três Pontas, “Ribeirão dos Couros” em Ingaí e mais de uma dezena de outros que existem por aí, são indicativo da importância dessa espécie na fauna da região.
Estes topônimos aparecem em documentos oficiais de 1760, especialmente nas atas de uma expedição formada para destruir quilombos na região de Três Pontas, comandada por Bartolomeu Bueno do Prado e Diogo Bueno da Fonseca (1). Vamos encontrá-los ainda no mapa feito em 1760 pelo Capitão Francisco França, abrangendo todo o Sertão do Campo Grande, com a localização dos principais quilombos destruídos na região a partir de 1745 (2) e, ainda, servindo de referência às primeiras cartas de sesmarias concedidas na região a partir de 1760 (3).
Tudo indica que foram os sertanistas paulistas que nomearam esses lugares ainda no século XVII (1600), quando demandavam essa região à cata de índios para serem preados e vendidos como escravos nas fazendas e vilas de São Paulo. Naturalmente eles se serviram da numerosa população de cervos que, além de alimento, davam um couro de altíssima qualidade para a confecção de gibões, cintos, botas e diversos outros elementos do vestuário.
Outra hipótese, menos plausível, é a de que estes topônimos tenham sido nomeados pelos negros quilombolas que passaram a povoar esta região no início do século XVIII (1700), assim que os índios se foram e os sertanistas paulistas deixaram de freqüentá-la. Organizando povoados e quilombos, os negros fugidos da escravidão das minas certamente se serviram do veado campeiro como caça, alimentando de sua carne e usando seu couro para a confecção de peças de vestuário. Entendo que, no entanto, quando os negros vieram já encontraram os lugares nomeados pelos bandeirantes paulistas.
A ação predadora dos sertanistas paulistas no Sul de Minas não se reduziu, portanto, apenas ao preamento de índios para serem vendidos nas vilas e fazendas paulistas como escravos. Estendeu-se também à fauna silvestre, principalmente à caça ao veado campeiro que, em grandes manadas, habitavam as campinas e serrados do Sertão do Cervo, do Sertão das Três Pontas e do Deserto Dourado, territórios hoje ocupados pelos municípios de Lavras, Ingaí, Luminárias, São Bento Abade, Carmo da Cachoeira, Três Corações, Varginha, Três Pontas, Nepomuceno, Coqueiral, Santana da Vargem e Boa Esperança e Campos Gerais. Aires Casal dá um registro do que foi essa ação predadora: “exporta-se desta província sola, couros de veados e de outros animais selváticos” (4).
O Ribeirão Couro do Cervo em Carmo da Cachoeira, certamente não recebeu esse nome devido ao fato de um antigo morador ter colocado em suas proximidades um couro de veado a secar. É indicativo de uma prática predatória ampla e freqüente, que envolvia uma sistemática matança de veados para explorar e comercializar o seu couro, matéria prima que tinha um grande valor nas vilas de São Paulo para a confecção de peças de vestuário. Ou seja, a exploração econômica do couro do cervo se tornara uma atividade rentável e suplementar ao aprisionamento índios pelos sertanistas paulistas que freqüentavam essa região no século XVII (1600).
Em seu trabalho de pesquisa nos inventários e testamentos das famílias dos sertanistas paulistas, especialmente ao longo dos séculos XVI e XVII, Alcântara Machado nos revela, de forma indireta, a importância do couro do cervo nas peças de vestuário (5). Nele vamos encontrar frequentemente, peças do vestuário feitas de couro de cervo figurando como objetos de valor nos inventários e testamentos da época.
Entretanto, numa dessas inexplicáveis ações predadoras da memória, o Ribeirão Couro do Cervo, um dos mais antigos topônimos de Carmo da Cachoeira e da região, passou ser registrado nos mapas oficiais como Ribeirão do Salto. Lembrando o antigo topônimo resta apenas a Fazenda Couro do Cervo em suas margens, nas proximidades da Estação Ferroviária. São medidas dessa natureza que, lamentavelmente, se encarregam de apagar da memória a nossa história.
Projeto Partilha - Leonor Rizzi
(1) Códice SC-103, Arquivo Público Mineiro, Pág.8v. a 12v.
(2) COSTA, Antonio Gilberto (organização) – CARTOGRAFIA DA CONQUISTA DO TERRITÓRIO DAS MINAS – BH – UFMG – Kapa Editorial – 2004
(3) CAMPOS, Paulo Costa, DICINÁRIO HISTÓRICO GEOGRÁFICO DE TRÊS PONTAS -2004- Pág. 43.
(4) CASAL, Manuel Aires – COROGRAFIA BRASÍLICA 1817 – São Paulo Ed.Itatiaia – 1976
(5) MACHADO, Alcântara - VIDA E MORTE DO BANDEIRANTE 1929 – São Paulo Ed. Itatiaia - 1980
(2) COSTA, Antonio Gilberto (organização) – CARTOGRAFIA DA CONQUISTA DO TERRITÓRIO DAS MINAS – BH – UFMG – Kapa Editorial – 2004
(3) CAMPOS, Paulo Costa, DICINÁRIO HISTÓRICO GEOGRÁFICO DE TRÊS PONTAS -2004- Pág. 43.
(4) CASAL, Manuel Aires – COROGRAFIA BRASÍLICA 1817 – São Paulo Ed.Itatiaia – 1976
(5) MACHADO, Alcântara - VIDA E MORTE DO BANDEIRANTE 1929 – São Paulo Ed. Itatiaia - 1980
Comentários
Jorge, por acaso, você já consultou a atual administração local sobre a possibilidade de uma parceria no lançamento de seu livro? Logo mais será discutido o plano orçamentário para 2011. Quem sabe, Carmo da Cachoeira receberá a graça e Bençãos Divina de ver publicada uma obra que virá complementar a já tão rica história deixada pelo nosso Mestre Wanderley Ferreira de Rezende - PEDRO MESTRE. Vale a pena tentar. O que você acha? A Cultura está com o professor Dalmo, não é isso?
- colocar nela um clipe disponibilizado pela YouTube, cujo referencial é o seguinte:
YouTube - Catolicos voltem pra Casa
Narrado em Português - Windows Internet Explorer
youtube.com/watch?v=Wnz-pjX9070
O video tem duração de 2:53
Receba nossos cumprimentos e gratidão pela manutenção deste rico material. Quero aproveitar para confraternizar-me com meu conterrâneo Jorge Vilela. Vá em frente amigão.
O meu bisavô materno FORTUNATO ANTÕNIO DE ABREU, filho de Gaspar Antônio de Abreu e Marianna Corrêia de Abreu, residiu no "Cervo de Lavras", segundo consta no seu registro de casamento com Maria Umbelina de Jesus, na Paróquia Senhor Bom Jesus dos Perdões, em 19.06.1886. Seu irmão, ou primo, também meu bisavô, FRANCISCO GASPAR DE ABREU, filho de Gaspar Antônio de Abreu e Cândida de Abreu, residiu na região das "Três Barras".
Ainda desconheço a cartografia antiga da região e não consegui desvelar suas ascendências, que conforme minhas leituras parecem se vincular à história de Carmo da Cachoeira, possivelmente através de Valentim José da Fonseca.
Ademir Antônio