Foi com muita surpresa que, no ano de 2005, o Projeto Partilha encontrou na Fundação de Ensino Superior do Vale do Sapucaí um precioso trabalho. Entrando em contato com a autora do mesmo recebemos, em 06 de fevereiro de 2006 uma gentil cartinha com o encaminhamento do referido material. Trata-se de um levantamento arqueológico feito no Cemitério dos Escravos. Eis o teor da comunicação, e o relatório da Arqueóloga Maria Luiza de Luna Dias (Dovica), responsável pelo estudo.
Santa Rita do Sapucaí, 06 de fevereiro de 2006.
Prezada Leonor,
Envio-lhe os xerox solicitados com muita demora, desculpe, são as contingências da vida. As fotos que tenho foram danificadas por enchente e estou recuperando via computador. Mandei edita o DVD com as reportagens sobre o Cemitério da Chamusca, mas ainda não está pronto. Envio-lhe cópia futuramente.
Estou temporariamente em Santa Rita.
Vi uma referência histórica uma vez, que a capela primitiva de Carmo da Cachoeira ficava em São Bento Abade e fôra construída pelo Pe. José Bento Ferreira que morreu em 1784. O bairro Chamusca era um dos mais povoados da região.
Abraços e tudo de bom.
Maria Luiza de Luna Dias.
Obs.: Segue em anexo o material solicitado.
FUNDAÇÃO DE ENSINO SUPERIOR DO VALE DO SAPUCAÍ
Av. Prefeito Tuany Toledo, 470.
Pouso Alegre - Minas Gerais.
Cep. 37.550.000
CGC 23.951.916/0001-22
O CEMITÉRIO DE ESCRAVOS
DE
CARMO DA CACHOEIRA, MG
O Museu da Imagem e do Som da Fundação de Ensino Superior do Vale do Sapucaí realizou uma pesquisa arqueológico-histórica no local popularmente denominado "Cemitério de Escravos" da Fazenda Chamusca. Trata-se de local ermo, afastado da cidade e da sede da fazenda, ocupando todo o topo de morro.
A vista que se tem no cemitério é linda e descortina as alterosas, possibilitando enxergar, em dias claros, a cidade de São Thomé das Letras, distante mais ou menos 30 kms. Esta coincidência não deixa de ser interessante, se pensarmos que S. Thomé foi fundada pelo escravo fugido João Antão, conforme suas origens lendárias. Meu pensamento poético, influenciado pela beleza do local, é levado a imaginar que, quando vinham enterrar algum companheiro, os escravos observavam ao longe terras onde seus irmãos quilombolas encontraram a liberdade (se bem que uma liberdade momentânea...).
O cemitério possui uma área de aproximadamente 355 metros quadrados, cercada por um muro de pedras bastante sólido, com uma entrada onde se encontram duas grandes cruzes de madeira. As traves verticais das cruzes aparentam ser originais, embora haja acréscimos mais modernos nas traves horizontais. No interior dos muros, o terreno é plano , sem túmulos ou lápides, nada que permita identificar imediatamente um cemitério, ou sugerir sua idade. As crendices populares dá edificaram um pequeno altar de pedra, cheio de imagens quebradas e moedas recentes, de origem diversa da construção dos muros.
A prospecção arqueológica realizada evidenciou seis enterramentos bastante antigos, bem próximos uns dos outros, a uma profundidade relativamente constante de 1 metro e 30 centímetro. (os famosos "sete palmos"). Um deles era de uma criança, ainda com os dentes de leite, cujo crânio jazia sobre um enterramento adulto.
O material arqueológico associado aos enterramentos é escasso, tratando-se basicamente de alguns colchetes de ferro, bastante grosseiros, justamente o mais mal conservado, frágil e que aparenta ser o mais antigo, forneceu vestígios de caixão, pequenas lascas de madeira onde estão pregados pregos de ferro. Este enterramento era bem marcado na superfície, por uma larga pedra polida, na base do muro, e outra pedra fincada no chão, à semelhança de uma lápide bastante rústica, ao lado do pequeno altar de construção recente. As covas encontram-se polvilhadas de malacacheta brilhante, carvão e ocre, o que não ocorre em igual intensidade fora do cemitério, possibilitando a hipótese de antigos ritos mortuários terem sido praticados, num sincretismo religioso das culturas negra e indígena.
O tamanho do cemitério, a qualidade caprichosa de seus muros e pórtico e o enterramento mais antigo, em caixão, parecem indicar que, originalmente, o cemitério não foi construído para abrigar apenas escravos. Para edificar aqueles muros foram necessários muitos dias de trabalho organizado, para a extração de pedras nas proximidades, seu transporte até o local, a feitura de argamassa e o traçado linear e cuidadoso dos muros. O trabalho despendido não poderia ter sido realizado apenas aos domingos e dias santos, os únicos momentos de folga e descanso dos escravos, dias tradicionalmente consagrados às suas festas e ao culto de suas roças particulares.
O completo abandono do cemitério, em nosso século, destruiu os vestígios de sepulturas que, aliás, devem ter sido muito modestas, com apenas uma cruz de ferro ou madeira, pois os artesãos de pedra eram raros na região.
Analisando a história bastante recente da cidade de Carmo da Cachoeira, com suas origens ainda obscuras, verificamos que a região já era bastante povoada lá por meados de 1700, existindo nesta época mais ou menos onze fazendas espalhadas pelas redondezas. Algumas destas antigas fazendas sobrevivem até hoje, guardando a memória da escravidão, em seus muros de adobe, cupim e pedra, seus alicerces de antigas senzalas, abandonados nos pastos, ou servindo de base de modernos paióis e currais.
Os donos destas fazendas e as pessoas importantes da região eram enterradas no chão das capelas, todas elas destruídas pela mania de "modernidade" e o horror à memória que o brasileiro sente. De qualquer forma, nem todas as pessoas eram enterradas nas capelas, sendo necessário um "Campo Santo" para abrigar os mortos. Creio que o cemitério da atual fazenda Chamusca poderia ter sido construído originalmente para abrigar os mortos das fazendas da região, e não apenas escravos. Com o passar dos tempos e o assentamento de núcleos urbanos próximos, como Varginha, Lavras, São Thomé das Letras e Três Pontas, o cemitério ficou relegado apenas aos escravos. Desta época em diante, ocorreu um surto de bexigas (a epidemia de varíola que assolou o Brasil em meados do século XIX), que grassou com violência na região de Carmo da Cachoeira, e que foi responsável pela superlotação do cemitério da Chamusca, inclusive com enterramentos superpostos, os mais recentes sobre mais antigos.
Este trabalho preliminar de arqueologia-histórica está longe de esgotar as grandes possibilidades de melhorar o conhecimento do passado regional. O Museu da Fundação de Ensino Superior do Vale do Sapucaí continuará pesquisando artefatos, documentos históricos, mapas e outros indícios do passado, inclusive buscando o testemunho de pessoas que guardam lembranças da época (história oral). Outro aspecto essencial é a divulgação das pesquisas através da mídia, para que as comunidades locais tomem consciência da importância da preservação histórica e ambiental. O trabalho desenvolvido pelo MIS/FUVS atrai a atenção da Rede Globo de Televisão, que sempre reserva horário sobre o Cemitério de Escravos da Fazenda Chamusca foi ao ar no último (antes de 1992) segmento do EP TV, às 20 horas do dia 7 de setembro.
Pesquisando, recuperando, preservando e divulgando, o MIS/FUVS tenta salvar o que resta ainda do passado do Sul de Minas, nosso rico e desprezado passado, ignorado completamente pela maioria de nossos conterrâneos.
Maria Luiza de Luna Dias.
Projeto Partilha - Leonor Rizzi
Próxima matéria: Carmo da Cachoeira e a Nova Era Banda ShowArtigo Anterior: A pesquisa de Ary Silva e os Rates de Minas.
Comentários
Prezado Monsenhor Lefort,
envio-lhe o livro escrito por meu pai, e que me encheu de orgulho (embora seja pecado ...). É um agradecimento pela sua atenção e informações interessantes que enviou ao nosso Museu.
Nada mais consegui saber sobre o "CEMITÉRIO DOS ESCRAVOS DA FAZENDA CHAMUSCA", em Carmo da Cachoeira, Minas Gerais, e o "CEMITÉRIO DOS BEXIGUENTOS, em Boa Esperança, Minas Gerais.
Informo-lhe que um antepassado meu, Cônego José Pinto Gonçalves, foi Secretário do Bispado de Campanha, no início do século. Possuo dele um poster montado em tecido, onde aparece de batina, num camelo ajaexado, em frente à esfinge e à grande pirâmide do Egito, durante uma viagem à Terra Santa. Faleceu tuberculoso, e todos os seus pertences foram queimados para evitar o contágio, menos seu crucifixo e um relógio de pêndulo, de parede. Por causa destes fatos "exóticos", cresci escutando a estória que, ao soarem as 12 badaladas da meia-noite, a caixa do relógio se abria e que passasse pela sala àquela hora tardia, poderia vislumbrar o vulto alto e muito magro, em sua batina preta.
Acho que tudo isso incentivou muito meu interesse pela história e pelos objetos esquecidos: a ARQUIOLOGIA.
Com apreço, votos de saúde e felicidade,
Maria Luiza de Luna Dias.
Com a demolição das casas que ocupavam à Praça Santa Rita, em Santa Rita do Sapucaí, ficou livre o terreno que deve conter os restos arqueológicos do início da colonização da cidade. É uma oportunidade única de verificar, antes da construção da nova praça, o que o solo preservou de nossa história e de nossos costumes mais antigos.
Para o arqueólogo, o solo é como um livro, de onde se podem retirar valiosas informações sobre o passado. Retirada a camada de aterro mais moderno, que recobre o terreno, poderemos descobrir antigas estruturas, essenciais para conhecermos os hábitos e modos de vida de nossos ancestrais, porque o centro da cidade foi o polo irradiador da formação da cidade. Ali, era a parada dos tropeiros, comerciantes do século XIX, que utilizavam tropas de burros de carga para levarem os produtos da terra de Taubaté, Lorena, Parati e Rio de Janeiro; e trazerem da Corte produtos importados da Europa: porcelanas, facas, tecidos, vinhos e outras mercadorias. Estes vestígios talvez ainda possam ser encontrados no local, e só a pesquisa arqueológica poderá evidenciá-los.
Compreendendo sua importância, não só para Santa Rita, como para toda a história do sul de Minas, a Prefeitura Municipal de Santa Rita e a Fundação do Ensino Superior do Vale do Sapucaí, através de equipe por nós coordenada, unem seus esforços para realizar a "pesquisa arqueológica Praça de Santa Rita".
Autoria - Maria Cecília Londres Fonseca. Em anexo V: Processos de Tombamentos abertos de 1.1.1970 a 14.3.1990, p.277, lê-se:
Número do Processo -1299-T-89
Nome do Bem - CEMITÉRIO DE ESCRAVOS
(Fazenda da Chamusca)
UF - Minas Gerais
Localidade - Carmo da Cachoeira.
Dados complementares da publicação:
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Forum de Ciência e Cultura
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Praia Vermelha - Rio de Janeiro
CEP:22290-902
tel./Fax: (21) 2542-7646 e 2295-0346
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