O motim do sertão foi um movimento previamente anunciado, desde que se aventou a possibilidade de incluir os escravos da região no sistema da capitação, conforme mostra um trecho da correspondência de Martinho datada de 24/9/1734: “também no Serro houve que me disse que podia haver uma alteração de povo com as novas ordens”¹.
A primeira menção oficial sobre a crise nos sertões aparece na carta que Mendonça escreveu para Gomes Freire de Andrade em 18/06/1736, na qual o Interino procura demonstrar pouca preocupação:
“Ainda que V. Excelência me ordenou não fatigasse as paradas me resolvo a expedir esta para que não suceda chegar a noticia do sucesso do Rio verde por outra via, e dar a V. Excelência algum cuidado. (…) Eu fico sem cuidado na matéria, parecendo-me que dei as providências necessárias.”²
Apesar da notícia trazida por “pessoa fiel”, de que o Juiz do Papagaio estava conseguindo cobrar a capitação com tranqüilidade, em carta de 28/06/1736, ele ainda fala com alguma apreensão, tanto que tomou medidas mais efetivas ao ordenar o deslocamento de Dragões para a região: Continuei com as providências que V. Excelência verá das cópias que vão anexo (sic), inclusas nestas; e mandei ao Alferes Henrique Carlos assistir a diligencia do dr. João Soares Tavares levando daqui dois Dragões além dos que assistiam na Intendência e os dois se parecerem necessários.³
Até então, Martinho de Mendonça seguia com a política do segredo, tentando mostrar uma calma que não sentia. Essa atitude visava não criar uma expectativa nos habitantes das vilas mineiras, principalmente aquelas próximas à zona em conflito. Aliás, ele supunha haver ligação entre os rebelados e alguns poderosos mineiros, que tinham interesses e laços de amizades naquelas terras. Assim, o segredo inibia a troca de informações entre os envolvidos no conflito, de maneira que os que moravam nas minas não tivessem como comunicar aos amotinados, as iniciativas do governo. Ele também tinha espiões espalhados pelo sertão: “(...) entretive tais quais espias por toda parte (...) observando todos os movimentos como também entendo que não me faltava quem me observasse o semblante.” E ainda, “Eu desde o princípio tinha exata informação do país, e nele confidentes, que me avisassem de tudo, e me era notória não só a falsidade, mas a impossibilidade de todas estas quimeras.”4
A prática da dissimulação também servia para ocultar a realidade dos fatos e a sua importância para os governos estrangeiros, pois os movimentos de rebeldia poderiam revelar as fragilidades do poder luso sobre suas conquistas. No entanto, da mesma forma que omite informações, ele luta para obter subsídios seguros, que permitam traçar uma estratégia adequada. Durante todo o período em que o sertão esteve em conflito, a força militar só foi aumentando, e chegou a ser enviado um total de 70 Dragões, para controlar a situação, conforme as ordens expedidas por Gomes Freire de Andrade. Aparentemente, o plano dos dois era ocupar diversos pontos da região com forças militares e representantes da Justiça, de forma a parecer que essas eram muito maiores e, assim inibir as ações dos amotinados.
Uma rede de potentados: o motim de 1736 nos sertões das Minas Gerais [trecho]
Profª. Irenilda Cavalcanti
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Artigo Anterior: Os amotinados de Brejo Salgado, 1736.
1. Carta de Martinho de Mendonça para Gomes Freire de Andrade, de 24/09/1734. [A partir de anotações gentilmente cedidas pelo Prof. Dr. Luciano Figueiredo].
2. Carta de Martinho de Mendonça para Gomes Freire de Andrade, de 18/06/1736, RAPM, v. 16, n. 2, p. 326, 1911.
3. Carta de Martinho de Mendonça para Gomes Freire de Andrade, de 28/06/1736, RAPM, v. 16, n. 2, p. 328-9, 1911.
4. Carta de Martinho de Mendonça para Gomes Freire de Andrade, de 21/09/1736. [A partir de anotações gentilmente cedidas pelo Prof. Dr. Luciano Figueiredo].
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