Anos depois foi enviada aos sertões uma expedição com o objetivo de resgatar uma moça que havia sido seqüestrada por quilombolas, aproveitando para destruir os quilombos que fossem encontrados no caminho. A expedição realmente conseguiu recuperar a moça, prender alguns negros e matar outros.
Continuando sua jornada encontrou com outro quilombo que ao ser atacado foi defendido por uma série de flechas disparadas por índios que ali viviam em contato com os negros fugidos. Três Capitães do Mato ficaram feridos, “...dois com duas flechas presas no pescoço e com grande perigo de vida”¹. A solução proposta foi a de utilizar nas próximas investidas contra o quilombo, os índios “...mansos de Frei Ângelo que se acham no Xopotó”². Estes índios eram na realidade do grupo Coroado e estavam aldeados há alguns anos na região e serviam também como mão-de-obra para os fazendeiros.
O curioso desta situação é que um mesmo quilombo propiciou dois tipos de contatos com indígenas: os que conviviam com os quilombolas no interior do quilombo e portanto, tinham interesses em comum; e aqueles que os consideravam como inimigos, ainda que estivessem apenas cumprindo ordens.
A utilização de índios aldeados para atacar quilombos ou para procurar negros fugidos dentro das matas foi uma constante em Minas Gerais. Durante uma expedição na Serra Negra, novamente no Xopotó, liderada por Manoel Rodrigues da Costa e seguida pelo Frei Manoel de Jesus Maria juntamente com alguns de seus índios aldeados, foi vista uma fumaça a alguns quilômetros dentro da mata. Todos imaginaram que pela sua formação, ela estaria sendo feita por grupos de negros fugidos que viviam naquelas imediações ao prepararem a área para plantações futuras. As lideranças retornaram ao aldeamento e deixaram apenas um grupo de 30 homens entre brancos e índios à procura do quilombo. Na realidade, o grupo conseguiu localizar um dos supostos quilombolas e o levaram preso ao aldeamento. Lá, conseguiram que o dito negro confessasse algumas coisas a seu próprio respeito e sobre a estrutura quilombola.
“...O puseram alguns camaradas em confissão dando lhe alguns tratos e como ele tem mais de boçal do que ladino declarou ele preto angola...” ³
Disse também que:
“...Há verdade, é certo ser o quilombo muito grande, e muito antigo e distancia grande e sempre...”4
Para entenderem o que dizia o negro usaram um outro escravo, também africano, que vivia no aldeamento. E através dele ficou-se sabendo que ele havia sido “...induzido ele com quatro parceiros por outros pretos e levados a uma grande povoação dos mesmos pretos...”5
Sobre o quilombo, afirmou que era grande e que possuía inúmeras roças com plantações de cana de açúcar, bananas, laranjas e tinha também descaroçadores e muito algodão.
O negro quando foi capturado pelos índios, afirmou que estava fugindo do quilombo por causa dos maus tratos que lá recebia e da obrigação de ter que trabalhar. Ele e mais um outro parceiro resolveram então fugir. Seu companheiro foi rapidamente aprisionado pelos quilombolas e ele conseguiu ir mais adiante, até encontrar com o grupamento da expedição.
As explicações dadas por este quilombola aprisionado são bastante interessantes e podem mostrar uma tentativa desesperada de atenuar sua culpa enquanto escravo fugido e aquilombado. Ao afirmar ter ido para o quilombo induzido por outros estava, na realidade, usando um artifício muito comum entre quilombolas recapturados. Ser induzido a ir para um quilombo era menos grave do que ter ido de livre e espontânea vontade e ao dizer que estava fugindo por causa de maus tratos e da exigência do trabalho, tirava de sobre si mesmo o fato de ser um quilombola, algo muito mais grave do que ser apenas um escravo fugido.
Além do que, não poderia ser acusado também de ser um dos líderes, caso em que a pena era normalmente a morte.
Com base neste depoimento, a tropa resolveu que deveria voltar à região, continuar procurando o quilombo e descobrir seu exato tamanho a fim de que todas as medidas com relação à expedição, as armas, as tropas e a alimentação fossem tomadas objetivando destruí-lo6.
Infelizmente não sabemos de mais nada com relação a esta nova expedição e nem se o quilombo foi localizado ou não.
Trecho de um trabalho de Marcia Amantino.
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1. Carta sobre ataques que se fizeram a vários quilombos , em 12.7.1760 - APM SC 130
2. Ibidem
3. Carta de Manoel de Jesus Maria da Aldeia da Vila do Pomba 30.9.70 - Biblioteca Nacional, Arquivo Conde de Valadares (Biblioteca Nacional, Seção de Manuscritos) Documentos. 112 18,2,6
4. Ibidem
5. Ibidem
6. 451 Carta de Manoel Roiz da Costa ao Conde de Valadares em Borda do Campo,.. out 70Arquivo Conde de Valadares (Biblioteca Nacional, Seção de Manuscritos) doc 66 18,2,4
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