Quanto ao relato dos motins, utilizamos aqui os subsídios contidos nas cartas de Martinho de Mendonça e algumas informações obtidas de documentos do Arquivo Ultramarino e do Arquivo da Torre do Tombo¹.
Inicialmente, houve um levantamento, uma assuada, contra o Juiz de Papagaio, quando este tirava uma devassa: ele representava a metrópole e seus tentáculos. Logo após, Mendonça deu ordens para seguir para a região um corpo de Dragões e um grupo de capitães do mato², reforçando a ocupação militar. Tendo um objetivo definido, os participantes deste motim seguiam um ritual: primeiro, avisaram que voltariam se não parasse o cadastramento dos escravos da região.
O segundo motim aconteceu no dia 24 de junho 1736, quando se juntaram cerca de duzentos moradores da região no Brejo do Salgado e marcharam para o Arraial de S. Romão, sob as ordens de Juizes do Povo e Cabos, por eles nomeados. A força militar, ao ouvir boatos de que o número dos amotinados chegaria a cinco mil, fugiu em direção à região já no perímetro das Minas, em busca de segurança. Martinho ordenou que eles voltassem, pois achava exagerado aquele número de rebeldes.
Enquanto isso, os amotinados se reuniam novamente no Brejo do Salgado, lugar de feira de gado, agregando cúmplices: uns espontâneos, outros sob coação. Pelo relato, os amotinados compunham-se de negros, mulatos e índios, pessoas das mais baixas categorias. Eles agiam brutalmente, publicando ordens de pena de morte, confiscando bens, violentando mulheres, queimando e roubando casas. Chegaram a matar um dos seus comandantes, devido às suas grandes desordens.
Ao chegar próximo à barra do rio Joquidai, o grupo se dispersou: ou foi por discordâncias internas ou porque não encontraram o apoio esperado dos moradores da região. Assim, as forças militares puderam cercá-los e prendê-los. Procedeu-se então ao julgamento sumário, seguindo-se a libertação daqueles em quem não se achava culpa.
Neste primeiro momento, ficaram presos apenas aqueles que Martinho de Mendonça considerou “os que pareciam cabeças, mas que realmente não o são”, segundo uma classificação que ele apresenta em sua carta de 13 de dezembro de 1736, onde distingue três níveis de envolvidos:
1- Os mais principais: homens poderosos no país e estabelecidos nele, que acostumados a viver sem mais lei que a da sua vontade, procuraram impedir o pagamento da capitação, (...);
2- Segundas cabeças e na aparência primeiras, quatro ou cinco pessoas que tinham pouco ou nada o que perder e, ocultamente instigados dos outros, começaram os motins, concitando uns e violentando outros, alguns dos quais se tinham retirado, culpados, nas inquietações dos Tocantins;
3- Os terceiros pareciam cabeças, ainda que realmente não o são, porque neste emprego, introduziram maliciosamente gente meio rústica (...).³
Trecho do trabalho: Uma rede de potentados: o motim de 1736 nos sertões das Minas Gerais
Profª. Irenilda Cavalcanti
Próxima matéria: Os primeiros indícios da revolta nos sertões.
Artigo Anterior: Dos senhores de terras à Revolta de 1736.
1. A partir de anotações gentilmente cedidas pelo Prof. Dr. Luciano Figueiredo.
2. Estes eram recrutados entre os brancos pobres, mulatos libertos e índios.
3. Carta de Martinho de Mendonça para El Rey D. João V, de 13/12/1737, RAPM, v. 1, n. 4, p. 653, out./dez., 1896.
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