Os tumultos se iniciaram ao se juntar gente para impedir o trabalho de um Comissário que fazia cobranças para a Real Fazenda no sertão do Rio Verde¹ . As mesmas ameaças já se fizeram ao Juiz da Vila de Papagaio, quando tirava uma devassa na região do Rio das Velhas.²
O sertão do Rio S. Francisco situa-se na parte noroeste do território de Minas Gerais, e na época pertencia à Comarca do Rio das Velhas, cuja sede era em Sabará. Ainda não havia fronteiras definidas nem para o norte, nem a oeste e a leste, por isso a sua jurisdição se estendia por uma grande área. A região compreendia os arraiais de São Romão, Manga, Brejo do Salgado, Capela das Almas, Japoré (hoje Nhandutiba), barra do Rio das Velhas (hoje Guaicuí), Montes Claros etc. Eles atuavam como entrepostos comerciais da produção local, isto é, empórios e tabernas situados ao longo das margens do Rio S. Francisco, os quais vendiam peixes, carnes, frutas, açúcar e, sobretudo, sal.3
Confluência das capitanias de Minas Gerais, Bahia e Pernambuco, aqui se formaram vastas fazendas dedicadas à agricultura e à criação de gado e seu percurso se fazia pelas rotas abertas pelos indígenas.
Considerava-se “o sertão”, toda aquela região limítrofe situada em direção ao interior do continente, que se contrapunha ao litoral; território recém-conquistado aos indígenas e onde as populações conquistadoras encontravam-se em processo de fixação. Área rebelde que precisava ser controlada e domesticada e também local inculto, distante de povoações ou de terras cultivadas e longe da costa, enfim, um espaço vazio de elementos civilizados. O sertão é mais que um espaço geográfico: é onde impera a desordem, o desvirtuamento e a instabilidade4.
E é esta a representação que Martinho revela em suas cartas, pois ele sempre se refere à área do Rio S. Francisco como “um país que foi até agora habitado de régulos que não conheciam outra lei, que a da força”5. Muitos movimentos rebeldes haviam ocorrido por lá, decorrentes de disputas de terras, por obtenção de direitos de passagem nos rios etc. Nestes levantamentos dos povos, observavase sempre a presença de tropas armadas pertencentes aos potentados, um grupo de difícil categorização social, que os funcionários reais viviam tentando cooptar para auxiliar nos avanços colonizadores.
O surgimento desses ricos homens esteve ligado, na fase inicial de ocupação, à criação extensiva de gado e à produção de gêneros de subsistência, que exigiam um pequeno aporte financeiro6. Gozavam também de uma grande autonomia administrativa e o que propicia o surgimento destas figuras paradoxais: homens rebeldes e “maus vassalos”, conforme a imagem dos documentos oficiais.
Trecho do trabalho: Uma rede de potentados: o motim de 1736 nos sertões das Minas
Profª. Irenilda Cavalcanti
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1. Ao norte da capitania de Minas Gerais oitocentista.
2. Uma análise detalhada dos acontecimentos pode ser encontrada na obra Vassalos rebeldes: violência coletiva nas Minas na primeira metade do século XVIII da professora Carla Maria J. ANASTASIA; e na tese de doutorado do professor Luciano Figueiredo Revoltas, fiscalidade e identidade colonial na América Portuguesa: Rio de Janeiro, Bahia e Minas Gerais, 1640-1761.
3. ANASTASIA, Carla Maria Junho. Op. cit., 1998, p. 61, nota 117 e p. 66.
4. Cf Márcia AMANTINO, O mundo das feras: os moradores do sertão oeste de Minas Gerais, século XVIII,Rio de Janeiro, IFCS/UFRJ, 2001. E ainda A. J. R. RUSSEL-WOOD, Op. cit., [on line].
5. Carta de Martinho de Mendonça para o Secretario de Estado Antonio Guedes Pereira, de 17/10/1737, RAPM,v. 1, n. 4, p. 662, out./dez., 1896.
6. Cf. Carla Maria Junho ANASTASIA, Op. cit., 1998, p. 67.
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