De uma parte, a proliferação da raça humana torna cada dia mais difícil a solução pacífica do problema da fome, da independência nacional, da educação das massas e da justiça social, enquanto que a ameaça de uma destruição total pela bomba nuclear paira sobre o futuro da humanidade. É necessário reler a Bíblia nesta nova perspectiva.
Doutra parte, Gandhi demonstrou que a prática do Sermão da Montanha, longamente considerada como utópica pelos próprios cristãos, pode às vezes resolver o problema das relações entre grupos humanos. É necessário igualmente reler a Bíblia nesta nova perspectiva.
Ora, uma defasagem sempre mais grave se revela, entre a mentalidade de nossos contemporâneos, modelada por nossa civilização industrial, em que o homem comanda a natureza, e nossa teologia tradicional, elaborada numa época rural, em que o homem se curva sob o peso da natureza. Enquanto a máquina transtorna as condições da existência humana, o pensamento cristão, amedrontado pelas responsabilidades que ele deveria assumir, empaca e recusa-se a ver no Evangelho outra coisa que não uma mensagem de salvação individual.
Muito mais, certas tendências teológicas condenam, como presunçosa e farisaica, toda a tentativa de ação boa em favor da salvação física da raça humana e todo esforço de obediência cristã autêntica, num século votado ao poder da técnica e das armas! Uma tal reviravolta nos ensinamentos de Jesus Cristo exige nova orientação. Sem esta orientação, as Igrejas cristãs correm o risco de desqualificarem-se como condutoras da raça humana, que chegou à beira do suicídio.
Não sendo professor nem de história, nem de teologia, o autor apenas tocará de leve os domínios reservados aos especialistas.
Diga-se que o autor, depois de ter flertado, com todos os de sua geração, com as teologias e filosofias do desespero, rejeita, hoje, o veneno delas. Não quer mais deixar-se levar pelas dialéticas do relativo e do absoluto, do horizontal e do vertical, do diabo e de Deus. Está farto de lúcidas análises, que colocam os problemas sem jamais propor uma obediência viril capaz de resolvê-los.
Considera que tais formas de pensamentos são as sutis desculpas que o intelectual (é pela propensão atual dos cristãos a intelectualizar todos os problemas morais que se mede o seu aburguesamento) dá a si próprio para não assumir responsabilidade para com seus semelhantes, e que esta forma de evasão é a marca dos períodos de decadência moral e religiosa.
Com efeito, o discípulo de Jesus é responsável, como o não-cristão, pela fome, a injustiça, o egoísmo, a exploração e a guerra que assolam sua época.
(...)
É verdade que, na época de Jesus, a angelologia, a demonologia e a literatura apocalíptica estavam se desabrochando (...). Não se liam os apocalípses populares judeus nas sinagogas, mas a Lei, os Salmos e os Profetas, isto é, uma palavra singularmente sóbria e despojada, pois os autores do Antigo Testamento eram pouco capazes de fabricar mitos.
Ora, procurando descobrir se Jesus era, ou não, um não-violento, o autor viu aparecer nos Evangelhos o retrato de um vigoroso revolucionário, capaz de salvar o mundo sem usar de violência. O autor quer partilhar com o leitor o entusiasmo de sua descoberta.
Trecho da obra de André Trocmé¹
1. JESUS CRISTO E A REVOLUÇÃO NÃO- VIOLENTA, André Trocmé. Tradução de José Alamiro de Andrade, O.F.M. Editora Vozes Ltda. Petrópolis. 1973, da tradução portuguesa.
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