Naquela noite o Zé Benjamin não conseguia conciliar o sono. Inquieto, nervoso, levado da breca, virava-se e revirava-se na cama e, a despeito de todos os esforços, não podia afastar a idéia nefasta que dele se apossara, tirando-lhe o apetite, o sono e até a coragem para fritar pastéis.
E o Zé monologava:
— Por que será que o Omar conseguiu escrever uma poesia e eu não consigo? Será ele mais inteligente do que eu? Não pode ser. Ainda que eu tenha de levar o diabo hei de escrever e melhor do que ele. Mas o caso é que o tempo passava, o Zé continuava a virar-se e a revirar-se na cama e nada de inspiração. Diacho de poesia!
Lá pra as tantas da madrugada, cansado, nervosíssimo e quase desistindo de ser poeta começava ele a cochilar, quando se deu um fato maravilhoso: seu quarto, que estava às escura, encheu-se de uma luz vivíssima; coros invisíveis entoavam canções estranhas e tão lindas, que o poeta fracassado sentiu-se como que transportado aos eternos e deliciosos jardins da Jerusalém Celeste. De repente silenciaram-se as vozes e, em meio à claridade, surgiu belíssima donzela que, dirigindo-se ao Zé Benjamin, assim falou:
— Acompanhei de longe a tua tortura, meu pobre amigo; e, compadecida do teu sofrimento, muito embora pra mim não apelasses, aqui estou para te salvar. Vem comigo.
E o Zé Benjamin, sem uma palavra e sem saber como nem porquê, viu-se a voar através do espaço. Atravessou parte do território brasileiro, vingou num instante a vastidão do Oceano Atlântico e alcançou terras desconhecidas onde se ouvia o troar contínuo dos canhões, o roncar dos aviões de bombardeio e o pipocar incessante da artilharia. Estavam na Europa, em pleno teatro da guerra. Continuaram ainda a voar e finalmente pararam no alto de uma montanha, onde havia visíveis sinais de lutas sangrentas. Só então o Zé tornou a ouvir a voz melodiosa que tanto o fascinava:
— Sabes onde te encontras?
Piscando os olhinhos de malandro e endireitado o inseparável boné, retrucou ele:
— Como posso saber essas coisas: Até agora não sei nem mesmo o seu nome....
Sorriu a deusa:
— Vou satisfazer a tua curiosidade: sou Crisélia, musa inspiradora dos negociantes que choram em versos o seu prejuízo e esta fonte que aqui vês é aquela procurada pelos poetas do mundo inteiro. De origem um tanto duvidosa, pois nasceu da patada de um cavalo, é, no entanto ela que fornece a inspiração aos poetas e sem ela o mundo não veria jamais um Homero, um Virgílio, um Dante, um Tasso, um Camões e tantos e tantos outros nomes célebres que a humanidade cultua e continuará a cultuar enquanto este mundo for habitado. É a fonte Hipocrene. Abaixa-te, transforma tuas mãos em concha, toma um pouco desta água, e serás poeta.
Conquanto nada daquilo houvesse entendido, o Zé fez o que a musa mandava e...
Prof Wanderley Ferreira de Rezende
trecho do Livro: Gaveta Velha.
Próximo trecho: Srs. fregueses, não peço a ninguém dinheiro.
Trecho anterior: Crisélia, a 10ª Musa do Panteão Greco-brasileiro.
Comentários