Além dos índios, um outro fator que segundo as fontes atrapalhava o cotidiano destas expedições, era a natureza percebida como agressiva e selvagem:
“...Aqui começou a gente a desfalecer de todo: morreram-nos quarenta e tantas pessoas entre brancos e negros, ao desamparo, e o eu ficar com vida o devo a meu cavalo, que para me montar nele pela mínia fraqueza, em que me achava era preciso o lançar –me primeiro nele de braços levantados sobre o primeiro cupim que encontrava...”1
Entretanto, a dificuldade apresentada pela natureza bravia acabava sendo transformada por estes homens em mais um sinal de sua boa vontade para com Deus e para com seu Rei. A guerra contra a barbárie do terreno e de seus habitantes tornava a conquista mais necessária, mais valorizada e, portanto, mais dignificada. Quanto mais problemas a enfrentar, maiores seriam as recompensas espirituais e financeiras.
Todas estas dificuldades tinham um local por excelência: o sertão, ou seja, a fronteira que separava a barbárie da civilização2. Fronteira é “... a marca ou linha de demarcação de dois sistemas de poder, que se caracterizava pela falta de estabilidade. [É] uma zona não perfeitamente definida e também despovoada devido à insegurança...”2
Além disso, “...fronteira não é um conceito estático e atemporal... é um exercício soberano do poder sobre um território... com controle militar, econômico, cultural e político-administrativo...”3
Ainda que autores com posturas diferentes sobre fronteira divirjam em alguns pontos, parece que é unânime a noção de que o conceito de fronteira pressupõe o de movimento. A diferença é que este movimento no caso norte-americano é ininterrupto, rápido e contou com diferentes mecanismos. Como o avanço se deu sobre regiões densamente povoadas por tribos indígenas ou controladas por países europeus, várias táticas foram sendo desenvolvidas para obter o seu controle de acordo com a “hierarquia” de quem controlava o território: guerras, extermínios, compras, acordos e conflitos. Isto tudo ocorreu durante o século XIX, e foi apenas no sentido Leste-Oeste. Não houve interrupções ou recuos que atrapalhassem esta marcha. Uma outra característica desta conquista é que, ao mesmo tempo em que novos territórios eram incorporados, iniciava-se imediatamente sua colonização, povoamento e exploração econômica. Isto fez com que pouco a pouco, a identidade americana fosse pautada no mito da Conquista do Oeste. O que iria unir todo o povo americano seria esta concepção de que eram criadores de uma nação confiante e vitoriosa e que contava com a figura de um herói civilizador, vencedor da luta contra os “inferiores”.
No caso brasileiro parece que só temos em comum com os norte-americanos o fato de que aqui também o conceito de fronteira abarca a idéia de movimento. Entretanto, este movimento não é ininterrupto. Pelo contrário, várias foram as tentativas, avanços e recuos desta fronteira. Foi também um deslocar lento iniciado no século XVI e que continua se estendendo até os dias de hoje. Portanto, no Brasil houve avanços, recuos, dispersões e estagnações no processo de povoamento e de incorporação de novas áreas4.
Em Minas Gerais, a situação durante o século XVIII exemplifica esta realidade. O povoamento do Oeste de Minas Gerais - e do Leste também - apresentava um problema de difícil solução: por mais que as autoridades tentassem por meios diversos controlar esta região, ela continuou a ser - pelo menos até meados do século XIX - esconderijo de inúmeros quilombos e palco de tribos consideradas como selvagens e bárbaras.
Trecho de um trabalho de Marcia Amantino.
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1. Sobre uma discussão sobre Sertão ver a parte 1
2. Dicionário de Ciências Sociais. Verbete fronteira
3. OLIVEIRA, Lucia Lippi. A conquista do espaço: sertão e fronteira no pensamento brasileiro. In: Manguinhos: História, ciências e saúde. Vol. 5 suplemento. Julho 1998.
4. Sobre esta discussão sobre fronteiras ver TURNER, C.J. La fronteira en la historia americana. Madri: Castela, 1960 e HOLANDA, Sérgio Buarque de. Caminhos e fronteiras. Rio de Janeiro: Livraria José Olímpio. 1975.
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