Pobre, doente, sentindo que pouco a pouco lhe fugia a vida, nem assim Leonardo se deixou dominar pelo desânimo.
Derredor de si via, com os olhos da alma, que os do corpo lhos levara a moléstia que o deixara inutilizado para o resto da vida, a esposa pálida e mal vestida, os filhos quase nus, mal alimentados, implorando lacrimosos mais um pouco de conforto, que o infeliz pai não lhes podia dar.
Era nos primeiros dias de dezembro, e uma chuva fria, incessante, fustigava a terra. E naquelas noites tristes, enquanto lá fora o vento passava zinindo, fazendo gemer a folhagem das árvores frondosos na mata vizinha e não se ouvia o som monótono dos insetos noturnos, nem se via a luz incerta dos pirilampos cortando o espaço em todas as direções, Leonardo, assentado em uma tripeça, ao pé do fogo, entregava-se às suas meditações.
E que cousa há aí mais triste, mais dolorosa que o meditar de pobre esposo e pai, que assiste ao sofrimento de sua família, sem que lhe seja possível aliviar-lhes as penas? É no momento dessa meditação que o incrédulo o homem sem fé, sentindo-se desamparado de suas próprias forças, únicas com que contava para vencer as vicissitudes da vida, levanta os olhos, fita ousadamente, rancorosamente, o infinito azul e depois, voltando-se para os crentes, indaga num gosto de doloroso desafio: Onde está esse Deus, que vós dizeis ser onipotente, misericordioso e justiceiro? Onde poderei encontrar, dizei-me, esse Ser ante o qual vós vos curvais covardemente e a quem tenho implorado em vão alívio para o meu sofrimento?
É que o incrédulo acovarda-se facilmente e desespera-se no momento de atribulação, porque não tem o consolo da fá, nem a esperança de receber em outra vida a recompensa reservada aos que se submetem à vontade de Deus e sofrem resignados os males inerentes à efêmera vida terrena. Mas Leonardo era crente e por isso jamais descerrara os lábios para proferir a mais leve queixa. Orava, e suas orações eram não somente um refrigério para o seu coração atribulado, mas também um hino à bondade de Deus que dele se lembrava mandando-lhe horas de amargo viver, para depois recompensá-lo na vida eterna. Pois não foi mesmo aos que sofrem que Jesus disse: “Bem-aventurados os que choram, porque eles serão consolados?”
Prof Wanderley Ferreira de Rezende
trecho do Livro: Gaveta Velha.
Próximo trecho: Um cachoeirense reencontra sua família.
Texto anterior: Srs. fregueses, não peço a ninguém dinheiro.
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