É dia de festa em Cachoeira. As noites de inverno em Cachoeira são muito, muito frias. Parece que no campo o frio é mais forte ainda. Depois da janta, "conversa ao pé do fogo", na sede da fazenda Olaria e Estaleiro.
Aria, Maria Ferreira de Souza, a avó do Neca e seu avô, Mané Saraiva, que voltou de viagem para assistir a festa da padroeira, fazem parte da sessão diária de "jogar conversa fora", de contar casos e "causos", de brincar de teatro, onde as crianças viram artistas - cantam, recitam, imitam os outros, assustam uns aos outros.
O início da noite é um momento marcado por pura descontração e felicidade. Melhor ainda quando o Mané Saraiva estava na roda. A palavra ficava só para ele. Todo mundo querendo conhecer, por ouvir, outros lugares. "Meu avô virava herói de suas próprias histórias". A criançada, filhos de herói, só tinha motivos para se orgulhar. Não havia derrotas, só vitórias. Aria, vai logo dizendo que tinham que ir dormir cedo. No outro dia iam ao povoado, e tinham que se preparar, procurar os sapatos e as roupas de festa. A criançada vibrava, mal conseguia esperar o amanhecer.
Quando o grupo se punha a caminho era uma algazarra. Cruzavam com a Jaratataca (animal, comum no cerrado, e conhecido com o nome de Gambá), e passam longe. Da última vez que o tio Otávio resolveu agarrar uma com seu paletó, perdeu essa roupa. Por nada deste mundo, a roupa deixava de "feder".
O ponto mais importante da caminhada, era quando chegavam no "córgo do Lavapés" (esta água ainda hoje, atravessa o corredor do Nenzico - rua Mizael Gouveia). Todo mundo saia de casa descalço, para não gastar a sola do sapato. Ele ia pendurado nos ombros. Aria, ia ajudando os menores a amarrar o cordão de um pé de sapatos, no do outro pé. Feito isso, colocava no ombro da criança. Havia aqueles preferiam levar no pescoço. Na córgo, todo mundo lavava seus pés, calçava os sapatos, e saia andando "todo durinho e desajeitado", mas tinham que aguentar. Estavam chegando no povoado, e era dia de festa. Só alegria, muita alegria.
Neca e o Projeto Partilha - Leonor Rizzi
Próxima matéria: A proclamação da República chega ao Sul de Minas.Artigo Anterior: Neca contador de causos de Carmo da Cachoeira.
Comentários
Que agradável passeio pelo Tempo,faz-me recordar as histórias que contam-se da região onde vivo,sul de Portugal,de como as pessoas viviam assim frugal e humildemente,mas desfrutando de uma qualidade de vida bem melhor que actual.
Uma coisa que acontecia e que espanta muitos agora,era que as pessoas caminhavam muito,quilómetros,para trabalhar,para comprar algo noutra localidade,para ir á missa...tempos duros,pobres e bem naturais também.
Acho que muita saudade deixaram em quem os conheceu...
Abraço amigo,
joao