No Brasil pode-se perceber em vários quilombos uma grande miscigenação, originando uma população mestiça que comportava traços culturais de várias etnias. Daí a dificuldade encontrada por Funari em Palmares, pois após a localização de vários artefatos com características claramente indígenas, ficou impossibilitado de saber ao certo se tais utensílios eram provenientes de um comércio entre os quilombolas e os índios, ou se estes viviam no interior do quilombo, ou ainda se apenas passavam para os quilombolas sua tecnologia.
Estas possibilidades de arranjos populacionais alternativos no interior dos quilombos só seria possível em se tratando de comunidades portadoras de uma grande complexidade. De maneira geral, através de documentos variados, percebe-se que as principais características deste tipo de comunidade seriam: a existência de uma agricultura capaz de manter a população e permitir um excedente que era comercializado com os habitantes que viviam próximos da região; um quadro demográfico significativo propiciador de crescimento populacional e relações de parentesco entre os habitantes e estruturas delimitadas de hierarquias internas. Essas características só foram possíveis em quilombos que conseguiram se manter por um tempo maior e com uma certa estabilidade.
Nas regiões que possuíram quilombos e índios, ou seja, em praticamente todo o território colonial, pode-se encontrar indícios da coexistência de índios com quilombolas. Seria isto uma forma de aliança contra um possível ataque de populações brancas? Seria uma união de oprimidos contra os opressores?
Ao que tudo indica os contatos entre estes dois grupos foram se dando de maneira lenta, porém contínua, em áreas que prioritariamente eram habitadas por índios. Contudo, estes índios já haviam tido contato com o homem branco, e muitos já estavam em fuga de suas próprias aldeias, de fazendas onde trabalhavam quase que como escravos, ou de aldeamentos, onde o tratamento também não era muito melhor.
Durante o século XIX a situação não havia melhorado em nada. O índio Francisco Soares, chefe de uma numerosa aldeia foi uma das vítimas deste tipo de exploração e posterior expulsão por parte de colonos brancos. Sua aldeia situava-se nas cabeceiras do Rio Ubá, na freguesia do Presídio de São João Batista. O mesmo foi expulso de lá com toda a sua gente pelo Alferes Antônio Dutra Caldeira e seus escravos. A aldeia foi queimada e o Diretor de Índios da região nada fez para coibir semelhante abuso.
No relatório elaborado por Guido Thomaz Marliere, Diretor Geral dos Índios de Minas Gerais, fica patente a situação em que se encontravam os indígenas da região:
“... Semelhante atentado, imitado pela maior parte dos Portugueses destes Presídios, que não contentes de usurpar as suas terras, os maltratam nas suas pessoas com pancadas e quando os fazem trabalhar nas suas culturas, lhes negam a paga dizendo que a beberão de aguardente...”1
Por estas e outras razões, em inúmeros documentos de Diretores de Índios, de Diretores Gerais, de Presidentes de Províncias e outras autoridades, toma-se contato com um universo grande de indígenas que viviam em constante fuga e sem suas terras originais.
Por este motivo é fácil entender porque em muitas vezes os índios não entravam em conflito com os negros fugidos. Ambos não possuíam onde ficar e se esconder. Deste ponto de vista, tratava-se realmente de uma união de elementos que sofriam na pele a exploração de seu trabalho e de sua condição de homens.
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1. Ofício de Guido T. Marlière ao Presidente de Província de Minas Gerais. Em 12 de setembro de 1823. APM. São Paulo JGP 1/8 cx. 4
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