Além do apoio dos donos das vendas, dos escravos e de alguns senhores, os quilombolas podiam contar também com a ajuda de grupos indígenas que coabitavam nos quilombos, ou que apenas faziam contatos.
A existência de índios convivendo com negros em quilombos era um fato marcante em muitas áreas que vivenciaram a escravidão. Em Porto Rico, desde o século XVI, há notícias de que índios e negros fugidos viviam juntos nas matas levando o pânico à população.
Francisco de Ortega, em 1526 afirmava que a Ilha estava se despovoando de espanhóis por causa do medo generalizado que as alianças entre negros fugidos e índios provocavam. No ano seguinte, a Coroa dizia ter recebido uma relação do cabildo da Vila de San German constando o mesmo problema. Em dezembro de 1550 a situação ainda não havia sido resolvida. O governador Vallejo em carta ao Rei afirmava que tentava impor a ordem da seguinte forma:
“... Y esta orden e tenido com todos los índios que hay en la isla poniendolos a todos com amos porque dejarlos andar vagabundos me pareció no convenía... por ser gente muy liviana y superticiosa y también porque fuera ocasión de que com ellos se alzassen negros que es uno de los grandes peligros que esta tierra tiene por los muchos que hay en ella, que cada día se alzan y nos ponen en necesidad para sossegarlos...”1
O caso citado anteriormente, de uma expedição incumbida de atacar um quilombo em Minas Gerais com o objetivo de resgatar uma moça raptada por um grupo de quilombolas, é um bom indicativo de que os índios viviam nos quilombos e o defendiam de ataques tanto quanto os seus habitantes negros:
“... atacando um quilombo de negros saíram ao encontro uma grande porção de gentio que instantaneamente os rebateu com um grande número de flechas na qual ficaram três capitães do mato feridos, dois com duas flechas presas no pescoço e com grande perigo de vida...”2
Estes não foram casos isolados. Em Mato Grosso, durante uma batida no Quilombo do Piolho em 1795 foram capturadas 54 pessoas, dentre elas:
“ ... seis negros muito velhos, que eram os patriarcas deste escondido povo, oito índios e 19 índias e 21 caburés nascidos no quilombo, com idades variando entre dois e 16 anos... Os pretos velhos, depois da primeira destruição, voltaram ao local do quilombo... construíram famílias com índias, de quem tiveram filhos...”3
Os índios faziam parte desta comunidade quilombola da mesma maneira que os negros desde pelo menos 1770, época da sua primeira destruição, pois neste momento foram presos 79 negros e 30 índios. Através do número de prisioneiros capturados no quilombo em 1795, podemos perceber que 19 índias faziam parte desta comunidade e que 21 pessoas haviam nascido das relações travadas entre negros e índios. Evidentemente que a presença deste número elevado de mulheres, se comparado aos oito índios capturados, nos evidencia uma clara preferência pela presença de mulheres índias no interior dos quilombos. Tal prática pode nos remeter a uma falta de mulheres negras e a incorporação das índias como uma solução para estes problemas.
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1. Carta del dr. Vallejo al rey, San Juan, 14 de diciembre de 1550,AGI Santo Domingo 155, Ramo 1, núm. 9 Cit.por: MOSCOSO, Francisco. Formas de resistência de los escravos en Puerto Rico. Siglos XVI-XVIII. IN: America Negra, Bogotá, PontíficiaUniversidad Javeriana. Dez 1995, n. 10 p. 31-48
2. Carta sobre ataques que se fizeram a vários quilombos. 12.7.1760 p. 5v -7 APM - SC 130 P Cod.
3. Citado por VOLPATO, Luiza R. Ricci. Cativos do Sertão: vida cotidiana e escravidão em Cuiabá. 1850-1888. Cuiabá: Ed. Marco Zero e Ed. Federal de mato Grosso 1993. p. 188
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