[Venâncio continua a história...]
Entre os filhos do Capitão José Gomes Branquinho, pelo que fiquei sabendo, havia somente uma moça: D. Jacinta Ponciana Branquinho. Pois, meus amigos, foi exatamente de D. Jacinta que o patrão de meu bisavô se deixou apaixonar. Duas a três vezes por ano ele passava pela Boa Vista; chegava ao rancho, mandava que soltassem a tropa, dava ordem aos camaradas, jantava qualquer coisa apressadamente e rumava para a sede da fazenda, levando presentes aos moços e velhos, não se esquecendo de levar também a sua viola.
Disseram-me que tocava e cantava bem, o raio do tropeiro; e como houvesse captado as boas graças do fazendeiro e sua família, lá se deixava ficar até quase madrugada, a contar suas aventuras de viagens, intercalando suas histórias com velhas modinhas muito sentimentais. De tempos a tempo s lançava disfarçadamente olhares termos à moça Jacinta, olhares a que ela não procurava corresponder e para isto tinha lá suas razões.
O Capitão Branquinho, que de há muito havia percebido as intenções do tropeiro com relação à filha, já se havia dado ao trabalho de tomar informações seguras sobre o moço e sua família e, como estas fossem satisfatórias, ele não se oporia ao casamento e até mesmo estava disposto a exercer a sua autoridade de pai, para que ele se realizasse. Entretanto, o caso não seria tão fácil como julgava, porque Jacinta não estava disposta a satisfazer os desejos do pai pois ela gostava era de outro tropeiro que morava com sua família lá para as bandas de Lagoa Dourada e se chamava Joaquim Fernandes. Este também passava sempre pela Boa Vista e, embora não fosse tão íntimo dos donos da fazenda como o outro, era o preferido da moça que, por intermédio de uma mucama de confiança, com ele trocava bilhetinhos amorosos e...
[Venâncio interrompe sua narração]
— Bem. Antes de prosseguir, creio que estamos na hora de tomar um cafezinho, fumar um cigarro de palha e depois continuamos. Estão de acordo?
— É claro que estamos, muito embora ansiemos pela continuação e desfecho deste caso acontecido em nossa terra, com antepassados nossos e que, no entanto, desconhecíamos.
O Venâncio admirou-se:
— Então os senhores são descendentes dos Branquinhos da Boa Vista?!
— Somos, sim, e vamos explicar-lhe uma coisa que o senhor talvez desconheça. Aquele Joaquim Fernandes, preferido de Jacinta, era nada mais nada menos que o Capitão Joaquim Fernandes Ribeiro de Rezende, neto da ilhôa Josefa Maria de Rezende, casada com o Coronel Severino Ribeiro. Joaquim Fernandes tinha onze irmãos, entre eles o Dr. Estevam Ribeiro de Rezende, Marquês de Valença, formado em direito pela Universidade de Coimbra. Ocupou vários cargos de importância em Portugal e, regressando ao Brasil, foi eleito Deputado à Assembléia Constituinte por Minas em 1823, Ministro do Império no Gabinete de 15 de janeiro de 1823, Deputado por Minas em 1825, Senador por Minas em 1826 e Presidente do Senado em 1844. Era o homem de confiança d D. Pedro I e em 6 de abril de 1822, portanto antes da Independência do Brasil, havia sido nomeado pelo então Príncipe Regente Secretário de todas as pastas.
— Diabo! — exclamou o Venâncio — Então aquele povo era coisa muito importante mesmo.
— Pois é. Nós ignorávamos o caso que o senhor nos vem contando, mas sabíamos quem eram o Capitão Joaquim Fernandes e D. Jacinta porque, afinal eram nossos trisavós. Fora os fundadores da fazenda das Abelhas, onde residiram e morreram.
Nesse ponto a nossa conversa foi interrompida pela Ritinha, que nos serviu o café acompanhado de um prato de broas de panela muito bem feitas e saborosas. Tomamos o café, esvaziamos o prato de broas e fizemos o cigarro de palha com o fumo que o Venâncio nos ofereceu dizendo:
— Este fuminho me foi mandado por um amigo, fazendeiro em Perdões; às vezes ele faz uma última fumada, da marca deste que estamos usando; em compensação outras vezes faz cada macaia, que nem o diabo aguenta.
Prof Wanderley Ferreira de Rezende
trecho do Livro: Gaveta Velha.
Próximo trecho: O velho boiadeiro e a antiga fazenda da Boa Vista.
Trecho anterior: O casamento arranjado e a noiva infeliz.
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