E agora, como não quero cansar-lhes a paciência com pormenores pouco interessantes, vou contar apenas como terminou o caso:
O velho Branquinho possuía em sua fazenda ótimos animais de sela; entre todos, porém, sobressaía, pela sua altura, cor, garbo e mansidão, uma besta branca, a preferida do caprichoso fazendeiro. Ora, seria muito natural que o noivo de Jacinta, como bom tropeiro que era, lançasse olhares cobiçosos para a tal besta, e assim foi. Horas antes do casamento ele convidou o futuro sogro para uma conversa em particular; entraram para um quarto da sala e lá o moço não se pejou de exigir que a besta entrasse no dote da noiva. O fazendeiro quis desconversar mas foi tal a insistência do tropeiro, que ele acabou por ceder:
— Sim, a besta entraria no dote da filha.
O tropeiro exultou: além da noiva e do dote, pegaria também o belo animal que ambicionava. Isto é que era ter sorte...
Como ninguém testemunhara a conferência e o velho Branquinho nada contara, o incidente passou despercebido e o tempo continuou a sua marcha. Finalmente o velho relógio de parede badalou as três horas, o padrinho do noivo com os seus convidados acompanharam-no à ermida, onde aguardariam a noiva, que não deveria tardar. E foi então, meus amigos, que se deu um fato inesperado e que causou a todos os presentes a maior estranheza: em vez da noiva, surgiu na porta da sala um escravo conduzindo a besta de sela do Branquinho, ao mesmo tempo em que lá de dentro vinha D. Jacinta Ponciana Branquinho, nos seus trajes habituais, acompanhada pelos pais, irmãos e demais parentes. No meio dos espectadores estarrecidos a moça, muito calma porém energicamente, dirigindo-se a seu pais assim falou:
— Meu pai. Por um simples acaso pude ouvir a conversa que o senhor teve com o meu noivo e, deste modo, não ignoro as suas exigências com relação à sua besta branca. Foi bom que tal eu ouvisse, porque assim posso, ainda a tempo evitar a minha infelicidade, visto que este moço parece mais enamorado da besta do que de mim e não é justo que eu pretenda tomar em seu coração um lugar que, de direito, não me pertence. Acho que o senhor não datá mais valor à beta do que que à sua filha e por isto, embora sem a sua autorização, mandei que se pusesse a besta no lugar da nova. O tropeiro que se case com ela e desapareça para sempre, em companhia de sua estranha consorte. Não queremos vê-lo nem mais um dia em nossa casa.
Será impossível descrever a extraordinária sensação que este desfecho do noivado causou a todas as pessoas ali presentes, as quais elogiaram e aplaudiram abertamente a atitude nobre a altiva de D. Jacinta.
Meu bisavô, que a tudo assistira, embora também se rejubilasse com o que acabava de acontecer, correu ao pasto e dentro de poucos momentos a tropa estava pronta e o desarvorado noivo e sua comitiva se escapuliram, sob os olhares zombeteiros dos que ficaram.
E foi assim, meus amigos, que Jacinta conseguiu libertar-se de um casamento que não era de seu gosto e o moço tropeiro, por uma ambição muito idiota, perdeu num momento a noiva, o dote e também a besta branca que ele tanto ambicionava.
Prof Wanderley Ferreira de Rezende
trecho do Livro: Gaveta Velha.
Próximo trecho: O cachoeirense Quinzinho chega ao Céu.
Trecho anterior: O casamento arranjado e a noiva infeliz.
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