Chupando com prazer as fumaças do seu cigarro, Venâncio deu continuação à sua narrativa:
— O apaixonado de Jacinta passou uma longa temporada sem voltar À Boa Vista. Quando a moça já respirava tranquila, julgando ter se libertado do importuno Romeu, inesperadamente ele surgiu e desta vez acompanhado de um irmão mais velho. Mas não traziam tropa, nem foram para o rancho, como de costume: foram diretamente para a casa dos Branquinhos, e naquela noite, para desespero de Jacinta, o casamento era contratado e marcado para dali a um ano. Demorou´se ainda o tropeiro com seu irmão alguns dias na Boa Vista, regressando depois para a casa de seus pais, não sei onde, creio que lá para as bandas de São Paulo.
Aqui, Venâncio fez nova pausa, reacendeu o cigarro puxou mais algumas fumaças e depois continuou:
— Este nosso mundo é mesmo uma coisa interessante e cheia de contradições; a criatura humana não encontra limites para o seu egoísmo, a sua ambição e para satisfazer a esse egoísmo a essa ambição salta todos os obstáculos, muito embora nesses obstáculos esteja representada a sua própria felicidade. Viver só em busca do dinheiro e outros bens materiais, de que nos serve? O seu valor é muito relativo e os possuí-los nem sempre nos traz a tranquilidade, o bem-estar por que todos nós ansiamos. Não é verdade?
— Tem toda a razão, Sr. Venâncio. Mas em vez de filosofia, preferimos a continuação de sua história, que muito nos está interessando.
— Como se costuma dizer, não estou dando ponto sem nó, porque o que acabo de dizer tem a sua relação com o caso de que tratamos, como veremos em seguida; porém, antes de chegar ao desenlace, vamos ver o que acontecia durante o tempo do noivado. Jacinta, como já sabem, não concordava de modo nenhum com o casamento que lhe era imposto pelo pai e dava tratos à bola para encontrar um meio de evitar que ele se consumasse. Em duas ou três passagens de Joaquim Fernandes pela Boa Vista, ela, pelos bilhetes levados pela escrava sua confidente, dizia-lhe que tivesse confiança, que aguardasse, pois ela haveria de encontrar um modo de desmanchar o noivado. Entretanto o tempo corria, Jacinta desesperava-se e o meio de libertar-se do compromisso assumido pelo pai não aparecia.
E o tempo foi passando, passando, e finalmente chegou o dia do casamento e nada de Jacinta encontrar uma escapatória e Joaquim Fernandes lá no rancho esperando para ver onde iriam parar as coisas. Sobre as festas preparadas nada poderei dizer porque também meu bisavô não soube contar; sei apenas que quase uma semana antes começaram a chegar os convidados e não sei onde desencavaram um padre, que também aportou na Boa Vista, nas vésperas do casório. No dia anterior chegou o noivo com o seu indispensável acompanhamento, enfim tudo corria às mil maravilhas, quando despontou o dia que, para outros poderia ser de grande alegria mas, para Jacinta, seria o do seu sacrifício. Desde manhã cedinho começou a lufa-lufa, a fim de que tudo fosse preparado para o ato religiosos. A ermida, que cheguei a conhecer, fora caprichosamente ornamentada com flores de várias cores; lá do terreiro subia o cheirinho gostoso das leitoas e dos frangos assados, enquanto as cozinheiras, numa azáfama dos diabos, preparavam os quitutes para o jantar.
Prof Wanderley Ferreira de Rezende
trecho do Livro: Gaveta Velha.
Próximo trecho: O casamento do tropeiro e a cobiçada besta branca.
Trecho anterior: O tropeiro e a história dos Branquinhos e Rezendes.
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