Qualquer número proposto para contabilizar os quilombos em Minas Gerais não deixará de ser uma aproximação, pois muitos quilombolas trocavam todo o tempo de lugar para não serem aprisionados e muitos não foram descobertos. Percebe-se assim, uma série de atitudes que foram empreendidas com o intuito de se protegerem. Entretanto, estas tentativas de contabilização são válidas porque permitem um panorama da situação referente ao cotidiano das relações escravistas e também que novas pesquisas surjam em busca de conhecer com mais profundidade esta história.
Pensando neste quadro complexo que envolve numerosos quilombos e suas características específicas, percebeu-se que seria necessário estabelecer uma maneira que, de alguma forma, permitisse um enfoque particular para cada tipo de estrutura quilombola. Um quilombo com uma população de centenas de pessoas, com agricultura, armazéns, paióis, lideranças e outros elementos, não poderia ser analisado da mesma forma que um outro formado por algumas poucas pessoas errantes e escondidas no meio dos matos, sem economia própria e sem lideranças. Seria necessário dividi-los segundo suas características internas e externas, a fim de que pudesse ser formado um conjunto que favorecesse a observação geral de cada um dos grupos específicos. Caso contrário, se não fosse efetuado nenhum tipo de classificação, as análises seriam apenas “análises de casos”, impossível com um número tão grande de quilombos. Analisar um ou outro seria perder de vista muitas das individualidades de cada um. Logo, ainda que concordando que o uso de classificações pode em alguns casos ser um limitador, seria um mal menor.
A tipologia criada para classificar os quilombos no Rio de Janeiro durante o século XIX1, demonstrou no decorrer das pesquisas sobre estas estruturas em Minas Gerais que seria uma ferramenta útil se fosse adaptada às especificidades econômicas da Capitania durante os setecentos. Por esta tipologia, os quilombos encontrados na Província do Rio de Janeiro nos anos oitocentos foram divididos em três grupos: Auto Sustentáveis, Dependentes e Mistos.
Os principais requisitos para a caracterização de um grupo de quilombos como Auto Sustentáveis era uma economia baseada numa agricultura capaz de sustentar seus membros; a existência de uma liderança estável, e o fato de que sua população crescente conseguia se manter pela elaboração e manutenção de uma estrutura econômica própria, baseada não só em plantações e criações, mas também em trocas comerciais com os que habitavam nas proximidades. Normalmente, este comércio permitia a obtenção de pólvora, de armas e de chumbo, elementos básicos para o cotidiano dos quilombolas. Mas esta aquisição poderia também ser feita através de doações da população escrava ou não, ou ainda mediante ataques e roubos periódicos às fazendas, vilas ou pessoas. Estes tipos de quilombos foram definidos como Auto Sustentáveis porque não necessitavam da população externa para disporem de alimentação e consequentemente, sobreviverem como comunidade. A existência de uma agricultura de subsistência capaz de mantê-los era o que determinava o tipo de contato externo que os quilombolas teriam. Os ataques, quando existiam, eram periódicos e os quilombolas não dependiam deles para obterem alimentos visando à manutenção do grupo enquanto uma comunidade.
O segundo grupo da tipologia foi denominado como Quilombos Dependentes. Estes quilombos não conseguiram desenvolver condições de prover sua existência, ou optaram por não possuí-las. Sua principal característica era a de não terem criado uma economia básica, necessitando fazer incursões às fazendas e às vilas próximas com o objetivo de promoverem razias e dedicando-se também, à prática de assaltos às pessoas que passavam pelos caminhos. Estes quilombolas viviam escondidos nas matas e ao menor sinal de aproximações indesejadas, fugiam para outra área. Sua população pequena não exigia nenhum tipo de liderança ou de hierarquia.
O terceiro grupo é o dos Quilombos Mistos, ou seja, aqueles que tinham características tanto dos Quilombos Auto-sustentáveis como dos Dependentes. Eles seriam uma espécie de quilombos em transição. Desenvolviam a agricultura, mas esta não era suficiente para manter o grupo, daí, os roubos às fazendas.
Entretanto, a realidade dos quilombos mineiros do século XVIII demonstrou que alguns pressupostos da tipologia precisavam ser adaptados à realidade mineira do século XVIII. Uma das diferenças encontradas entre os quilombos da Corte e os de Minas Gerais, refere-se à prática de assaltos. Os quilombos mineiros quer fossem pequenos ou não, praticavam assaltos de caráter diversos à população, ainda que tivessem uma economia interna significativa e capaz de alimentar a todos. Estes ataques constantes à população podem sugerir que estes quilombolas teriam, diferentemente dos encontrados na Província do Rio de Janeiro, uma concepção política sobre o papel do quilombo enquanto desestabilizador da ordem escravista, mas isto é algo que o nível atual das pesquisas ainda não permite concluir com alguma confiabilidade. Além disto, e talvez como um desdobramento da idéia anterior, foram localizados em diversos quilombos pequenos que tinham mobilidade e facilidade de esconderijos, determinados tipos de lideranças ainda que temporárias.
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1. AMANTINO, Marcia S. O Mundo dos fugitivos: Rio de Janeiro na Segunda metade do século XIX. Dissertação de mestrado apresentada na UFRJ. 1996
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