Havia na antiga Carmo da Cachoeira aqueles vultos populares que perambulavam por aí, como o pedreiro Barcelão com o seu linguajar alatinado, o Paulina Cambeta, cuja maior satisfação era soltar foguetes nas festas religiosas, a Tia Chica, a tia Norberta, a Chiquinha Temdepá e tantos outros dos quais hoje quase ninguém se lembra; sobressaindo-se entre todos, o extraordinário Artur Peruca, que, em todas as ocasiões que se apresentassem não deixava de meter o seu discursozinho porque, como ele mesmo costumava dizer, "a garganta começava a comichar" e não havia remédio senão falar.
Para exaltação do velho e querido Peruca, não posso deixar de recordar aqui um fato interessante de sua vida: Quando se inaugurou, creio que em 1925, a Estação local da Rede Mineira de Viação, com a presença do então Governador do Estado, Dr. Fernando de Melo Viana, lá estava presente Artur Peruca. Antes, o Coronel Domingos Ribeiro de Rezende, o havia advertido para que não se metesse a fazer discurso, com o que o Peruca aparentemente concordou.
Digo aparentemente porque, após haver falado um varginhense saudando o Governador sem que nenhuma referência fizesse a Carmo da Cachoeira, o Peruca não se conteve: a "garganta comichou" e ele, inopinadamente, dirigindo-se ao Dr. Melo Viana, pediu-lhe permissão para dizer umas palavras, enquanto os circunstantes se remexiam incomodados, prevendo que ali iriam sair inconveniências. Concedida a palavra, o Peruca calmamente abriu uma valise que levava consigo e, atirando pétalas de flores no Governador pronunciou o seu discurso no qual, entre outras coisas, disse o seguinte:
"Estas flores que V. Excia. está pisando, são flores do Carmo da Cachoeira e não de Varginha; mas o orador que acabou de falar não tocou no nome desta terra, como se a Estação que estamos inaugurando fosse de Varginha e não de Carmo da Cachoeira."
Não sei qual foi a reação que estas palavras causaram porque eu não estava presente e o fato me foi narrado por pessoas que o presenciaram. A verdade, porém, é que o Dr. Melo Viana abraçou o orador, tornando-se seu amigo e levando-o consigo durante o resto da viagem.
Prof Wanderley Ferreira de Rezende
trecho do Livro: Carmo da Cachoeira: Origem e Desenvolvimento.
Próxima matéria: Sem o Barão a cidade torna-se escura e abandonada.
Matéria Anterior: As "festas dos pretos" na antiga Carmo da Cachoeira.
Comentários