Não me recordo bem se foi em 1914 ou 1915, o arraial foi dotado com o seu primeiro cinema, que teve como proprietários os senhores Francisco Guilherme Júnior (VIII), seu filho Francisco Ximenes de Oliveira e o Sr. Américo Dias de Oliveira.
Exatamente ali onde o Sr. Saul de Oliveira Vilela construiu sua casa, depois vendida ao Sr. Antônio de Rezende Naves, fizeram um barracão de pano, rodeado por uma cerca de arame, que evitava as entradas "por baixo do pano". Dentro, à guisa de camarotes, bancadas de tábuas nas partes laterais e no centro, no piso, no piso, tábuas colocadas sobre caixotes vazios. Num dos cantos, ao lado da tela, sobre uma mesinha, funcionava um gramofone e durante a projeção eram colocados discos de acordo com o estilo do filme; se se tratasse de filme alegre, lá vinham os dobrados, os chorinho ou os maxixes, se era um drama de fazer chorar, no estilo de certas novelas radiofônicas de hoje1, eram as valsinhas chorosas de antigamente, que muito contribuíam para maior realce do filme.
O aparelho era movido a gás acetileno. De vez em quando acontecia que os tubos de borracha condutores do gás começavam a arrebentar, produzindo fortes estalos. Nesses momentos a molecada, que nada perdoa, começava a gritar: "A linguiça tá rebentando! A linguiça tá rebentando! Enquanto isso, lá na cabine Chico Guilherme e Américo Dias soavam as cântaros para conseguir que o aparelho voltasse a funcionar".
E para nós, crianças daqueles tempos, nada melhor: além do filme, tinhamos motivos para uma algazarra infernal.
E era assim o primeiro cinema que Carmo da Cachoeira possuiu, graças aos esforços, à coragem de seus três proprietários.
Quanta evolução! Quanta transformação! Naqueles tempos nós nos contentávamos com assistir ao cinema mudo, abrilhantado pelas músicas renovadas de um velho gramofone, descomodamente assentados em bancadas formadas de tábuas toscas sobre caixotes vazios, num barracão onde o vento e o frio penetravam por todos os lados. E com que ansiedade esperávamos aos sábados e domingos, únicos dias em que havia exibição!
Agora, com todas as comodidades, ainda se vaio e se reclama ao menor incidente.
Os novos, que não conheceram o velho cinema, realização heróica de meu inesquecível amigo Chico Guilherme, talvez tenham a sua razão; mas nós os mais velhos, que saudades não temos do passado e como gostaríamos de voltar àqueles tempos e assistir aos filmes das touradas em Madrid, abrilhantados pelas músicas do velho gramofone, e com o aparelho a arrebentar como linguiça!
Prof Wanderley Ferreira de Rezende
trecho do Livro: Carmo da Cachoeira: Origem e Desenvolvimento.
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1. O texto foi escrito na primeira metade da década de 70.
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