Os documentos informam que as populações de muitos quilombos eram numerosas. Mas qual seria a sua formação? Ao que tudo indica, haveria uma gama variada de possíveis arranjos populacionais no interior dos quilombos mineiros. Havia alguns formados apenas por negros, mas também os que permitiam relações mais próximas com índios, mulatos e brancos. Na região de Tábua existia:
“...um quilombo de Negros que fugidos a seus senhores se conjuram publicamente contra o sossego publico que segue com tanto prejuízo aos súditos de Vossa Majestade habitantes naquele continente Ordena a um e que sem perca de tempo se faça as ordens condizentes para que seja desta cabo e destruído o dito Quilombo, fazendo conduzir presos os pretos e as pessoas que nele se acharem a Cadeia da Vila do Príncipe...”1
Em 1769, numa expedição de combate a este quilombo conseguiram prender 80 pessoas de etnias diferenciadas. Dentre elas, havia algumas que viviam “...estabelecidos em terras do mesmo quilombo com famílias, roças, crianças e mulheres...”2
Em Minas Gerais, na mata de Carlos Vieira, havia um grande quilombo em 1785 “... muito antigo não só de negros e mulatos fugidos, mas também de alguns brancos...”3
É curioso perceber que em alguns momentos, a população branca utilizou-se abertamente dos quilombos como forma de escapar das autoridades. O caso de Bento Correia de Melo, ocorrido em 1751, é bastante interessante para perceber como que os quilombos poderiam servir aos interesses de diversos grupos sociais.
Bento Correia de Melo foi descrito pelas pessoas que o acusavam de ter tomado algumas lavras à força, como um homem “revoltoso” e cometedor de vários crimes. Ele, auxiliado por uns companheiros, invadiu a região do Sapucaí, destituiu o Guarda Mor do Distrito, o prendeu e nomeou um de seus companheiros para o cargo. Logo depois, tomou posse das terras e lavras de uma série de pessoas. Os prejudicados remeteram ao Governador Gomes Freire de Andrade, uma Petição solicitando providências. Alegavam ainda que o referido Bento já havia se envolvido em uma série de revoltas e crimes na Borda do Campo, razão pela qual havia fugido para o Quilombo do Sapucaí e de lá comandava uma série de insultos à população.4
O Governador respondeu à Petição criticando não ter sido avisado com mais prontidão e de não terem sido os amotinados controlados a contento. Ordenava também que “.... faça toda a diligência para por em prisão os cabeças e remetê-los a minha ordem a cadeia de Vila de São João del-Rei, ordenando a quem tiver que requerer sobre a lavra, o faça pelos meios competentes...”
Apesar deste exemplo, a heterogeneidade populacional dos quilombos mineiros pode ser mais facilmente percebida com relação aos índios.
Conforme visto anteriormente, muitas vezes os índios foram, ou se deixaram ser usados, como inimigos dos quilombolas. Mas há um outro aspecto dessas relações que remete a uma situação completamente diferente das vistas anteriormente. Havia situações em que grupos indígenas travavam com os quilombolas relações muito próximas e cordiais. Ocorreram casos, inclusive, de índios que viviam no interior dos quilombos. Percebe-se em todos os exemplos encontrados sobre estes tipos de arranjos populacionais mais complexos que estes ocorreram sempre em estruturas grandes e possuidores de condições para manter a população.
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1. Carta de Liberato José Cordeiro (quadro 2) ao Conde de Valadares. Biblioteca Nacional. Códice 18,2,5 doc. 216
2. Idem
3. APM. SC 241. P. COD. p. 70v
4. APM SC 93 p. 140v-2
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