De acordo com Meillassoux1, a utilização da agricultura por um determinado grupo provoca, dentre outras coisas, relações sociais mais estáveis uma vez que os diversos membros da comunidade possuem interesses comuns e necessitam para sua manutenção, uma cooperação constante. Além disso, paulatinamente é estabelecido um tipo de hierarquia entre seus membros, devido ao controle que alguns exercem sobre as sementes ou ao fato de ser mais antigo no grupo. Há desta forma, uma clara diferenciação entre os que já estão no grupo e os que chegam depois criando uma hierarquia social baseada na “anterioridade”2.
No caso dos quilombolas, além da anterioridade, há que se levar em conta também a maneira pela qual cada indivíduo foi para o quilombo. Assim, criava-se uma hierarquia que dividia os negros entre os que foram para o quilombo de livre e espontânea vontade e os que foram vítimas de seqüestros. Em 1776, nos matos do Forquim, foi destruído um quilombo e dentre os prisioneiros, constavam um rei e uma rainha. O rei era um cativo que andava fugido há mais de 10 anos, e a rainha era uma fugitiva que fora para o quilombo de livre vontade. É bastante sintomático o fato de que a rainha era uma mulher que estava no quilombo espontaneamente, ao contrário de várias outras, levadas à força ou roubadas de seus senhores.:
“... só uma das escravas, a que tinham por rainha não foi violenta para o quilombo...”3
O documento continua ordenando que todas as mulheres deveriam ser devolvidas aos seus senhores, mas as que foram para o quilombo de espontânea vontade deveriam antes ser castigadas.
A população numerosa e a exigência de uma agricultura capaz de mantê-las, acarretava a formação de algum tipo de liderança apropriada para conduzir o grupo e de organizar a defesa em caso de ataque. Ainda que vários documentos citem a presença de Reis, Rainhas, Príncipes e Capitães, não há como saber se trata de denominações dadas pelos quilombolas ou pelas autoridades, ou mesmo que tipo de poder eles tinham no interior dos quilombos4 . Além destes, alguns documentos citam também a existência de uma hierarquia baseada nos moldes da sociedade colonial. O Bando de Luis Diogo L. da Silva, de 1764, é ilustrativo. Além de afirmar que os quilombolas roubavam mulheres brancas do povoado, seguia dizendo que levavam os escravos que tiravam de seus senhores para “... reforçarem as tropas de seus parciais erigindo-se nelas os mais temerários e absolutos com o distintivo de capitães, tenentes, alferes e sargentos na idéia de se constituírem de maior terror ao público e de dificultarem a destruição de tão prejudiciais quadrilhas...”5
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1. Meillassoux, Claude. Mulheres celeiros e capitais, Porto: Ed. Afrontamento, 1976 . p. 74 e ss´
2. ibidem p. 75
3. APM SG Cod 215. Fl. 2v-3v
4. APM SC Cod 215 fl. 2v-3v; Cod 56, fl. 102v-103v; Cod 67, fl. 26; Cod 165, fl. 42
5. APM SC Cod 50, f. 90-96v
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