Para Vieira, o quilombola além de ser inferior, era um indivíduo em constante pecado, e buscando explicar e justificar a escravidão, o padre criava imagens associativas com os sacrifícios feitos por Cristo para salvar a humanidade. Aos escravos, caberia a sujeição pacífica ao cativeiro como forma de atingir os céus e contribuir para a salvação da humanidade. No momento em que fugiam, rompiam com este papel que lhes fora imputado. Logo, eram pecadores que deveriam ser trazidos ao cativeiro e punidos exemplarmente1.
“... Porque sendo rebelados e cativos, estão e perseveram em pecado contínuo e atual, de que não podem ser absoltos, nem receber a graça de Deus, sem se restituírem ao serviço e obediência de seus senhores, o que de nenhum modo hão de fazer. Só havia um meio eficaz e efetivo para verdadeiramente se reduzirem, que era concedendo-lhe sua Majestade e todos os seus senhores, espontânea, liberal e segura liberdade, vivendo naqueles sítios como os outros índios e gentios livres, e que então os padres fossem seus párocos e os doutrinasse como os demais ..”2
A solução possível para o problema “Palmares”, passaria primeiramente pela concessão da liberdade aos cativos e, somente depois é que os religiosos poderiam cristianizar os rebeldes. Entretanto, o próprio Vieira sabia que se esta liberdade fosse dada aos palmarianos, “...seria a total destruição do Brasil, porque conhecendo os demais negros que por este meio tinham conseguido o ficar livres, cada cidade, cada vila, cada lugar, cada engenho seriam logo outros tantos Palmares, fugindo e passando-se aos matos com todo o seu cabedal, que não é mais que o próprio corpo...”3
O que Vieira deixa claro aos seus ouvintes e posteriores leitores, é que a cristianização só era possível aos negros enquanto cativos e pacíficos. Nunca ao negro rebelado, contestador de uma forma ou de outra, ao sistema. Assim, dar qualquer tipo de orientação religiosa aos Palmarianos, significaria reconhecer como legítima sua organização e isto significaria a ruína da escravidão e, consequentemente, do Brasil: “... sem escravidão não há Brasil, e como deve haver Brasil, assim deve haver escravidão...” 4
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1 Carta do Padre Antonio Vieira a certo fidalgo. Bahia, 2 de junho de 1691. Apud. J. L. de Azevedo. História de Antonio Vieira. Lisboa, vol. II. P. 372
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