... as idéias de Benci, para quem as crises pelas quais passava a colônia eram causadas pela ausência de consciência cristã nos senhores. Para solucioná-las, deveriam deixar de ser infiéis, gentios, brutos, irracionais, homicidas, mentirosos e pecadores1. Deveria-se criar na colônia uma verdadeira cristandade através do reforço da noção de família e da depuração dos hábitos sexuais, sempre tão desregrados. Assim, vivendo de forma correta e dentro dos ensinamentos de Cristo, os senhores tratariam bem de seus escravos, e estes, não fugiriam.
Benci não era o único que pensava assim. Em 1728, foi publicada em Lisboa uma obra que tinha como único objetivo mostrar e sanear os problemas de ordem moral que ocorriam no Brasil. Entre os anos de 1728 a 1765, o livro teve cinco edições, o que demonstra sua aceitação pelo público leitor. Refiro-me ao "Compêndio narrativo do peregrino da América” que trata de vários discursos espirituais e morais, e muitas advertências e documentos contra os abusos que se acham introduzidos pela malícia diabólica no Estado do Brasil”2. Seu autor detectou inúmeros problemas de ordem moral na colônia e se propôs, através da parábola de um peregrino, a mostrá-los a fim de que fossem eliminados e que a fé verdadeira e pura pudesse ser vencedora da luta entre o bem e o mal. Para ele, diversos abusos eram cometidos no Brasil em nome da luxúria, da soberba e da vaidade, e as pessoas deveriam mudar suas formas de vida para que não fossem condenadas ao inferno. Com relação aos escravos, aconselha a paciência e que prestassem obediência aos senhores e, a estes, que fossem cristãos e que dessem bons tratamentos aos cativos a fim de que não fugissem.
Pode-se perceber que para todos os autores tratados aqui, o quilombo não era identificado como fazendo parte de um projeto de vida dos cativos. O escravo só fugiria se não tivesse um bom tratamento.
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1 BENCI, J. op. cit. P. 80
2 PEREIRA, Nuno Marques. Compêndio Narrativo do Peregrino da América em que se tratam de vários discursos espirituais e morais e muitas advertências e documentos contra os abusos que se acham introduzidos pela malícia diabólica no Estado do Brasil. Lisboa, Oficina de Manoel Fernandes da Costa (Impressor do Santo Ofício), 1728.
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