Além dos índios considerados bravios, dos garimpeiros clandestinos, dos escravos fugidos e dos quilombolas, as autoridades mineiras tinham um outro foco de constantes preocupações: os vadios, ou melhor dizendo, aqueles que elas percebiam desta forma.
Entretanto, é necessário ressaltar que havia, no mínimo, duas concepções acerca da vadiagem1. A primeira, que será vista posteriormente, remete à população pobre, com poucos ou nenhum escravo, e que vive em busca de terras para cultivar e é muitas vezes identificada enquanto grupo de vadios sem trabalho. A segunda refere-se aos vadios enquanto marginais na sociedade. São os que não trabalham e que vivem de expedientes. É este grupo que será analisado agora.
Em diversos documentos percebe-se que foi sendo construída no tempo, uma imagem sobre estes elementos sociais, passando a ser apresentados como responsáveis por uma série de problemas sociais e como causadores de desordens. Mas quem era passível de ser caracterizado como vadio em Minas Gerais durante o século XVIII?
Talvez a resposta mais completa possa ser buscada na “Instrução” de Teixeira Coelho. Para ele, haveria dois grupos de vassalos: um bom e outro mau. Os bons vassalos seriam aqueles que mineravam ou se dedicavam a cultivar a terra, ou seja, aqueles que possuíam ocupações e, consequentemente, eram tributáveis. Os maus vassalos eram os vadios que não admitiam ocupações e viviam como “feras nos arraiais, nos Sertões e nos lugares inacessíveis”2. Um agravante para a ociosidade dos vadios é que esta levava à marginalidade, criando desordens, assassinatos e roubos. Os vadios, para Coelho, eram membros “infectos”3 da Província e eram homens atrevidos mas, ainda assim, importantes nas atividades de avanço da civilidade, ou seja, na conquista dos Sertões, no combate aos índios e aos quilombos:
“... Por estes homens atrevidos é que são povoados os Sítios remotos do Cuiethé, Abre campo, Pessanha e outros: deles é que se compõem as Esquadras, que defendem o Presídio do mesmo Cuiethé da irrupção do Gentio bárbaro, e que penetram, como feras, as matas virgens, no seguimento do mesmo gentio: e deles é finalmente, que se compõem também as Esquadras, que muitas vezes se espalham pelos matos, para destruir os quilombos de negros fugidos, e que ajudam as Justiças nas prisões dos réus...”4
Temos, portanto, uma outra característica do vadio. Ele era pernicioso à sociedade. Mas no caso de Minas Gerais, um mal necessário. Continuando com Teixeira Coelho, percebemos que o vadio era basicamente o mestiço e o negro forro, ainda que alguns brancos também o fossem. Entretanto, era a minoria. A cor da vadiagem era resultante dos contatos interétnicos, o resultado de algo perigoso que, no século seguinte, irá merecer estudos mais aprofundados: a mestiçagem. Ou era ainda, a cor de um outro perigo social: a negra.
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1 Sobre a questão da vadiagem, ver o livro de SOUZA, Laura de Melo e. Os desclassificados do ouro: a pobreza mineira do século XVIII. Rio de janeiro, Graal, 1982.
2 COELHO, José João Teixeira. Instrucção para o governo da Capitania de Minas Geraes. (1780. In: RAPM. Ano VIII, fascículo I e II, Jan/jun 1903. p. 478
3 ibidem p. 479
4 ibidem p. 479
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