Os anúncios do jornal “O Universal” demonstraram que, à exceção dos sete fugitivos sem qualquer indicação de suas procedências (6,60%), a diferença entre africanos e crioulos era significativa. Havia um total de 59 africanos (55,66%) e 40 crioulos (37,74%). O que levaria um escravo africano a fugir mais do que um crioulo? Uma explicação possível seria a sua socialização junto aos demais escravos.
Normalmente o africano era inserido no contingente de cativos através do tráfico já em fase adulta, pois o sistema privilegiava claramente homens adultos aptos para o trabalho. Chegando à fazenda, era considerado pelos demais escravos como mais um inimigo, já que seria mais um candidato às poucas mulheres existentes.1 Além disso, era um “boçal”, pois não conhecia a língua e os costumes e, agravando ainda mais a sua situação, o africano chegava sem seus laços parentais.
Com o crioulo ocorria exatamente o contrário. Ele era inserido no sistema basicamente através do nascimento, portanto, com ligações parentais fortes o bastante para conferir-lhe algum tipo de suporte emocional. Mesmo aquele inserido já adulto através de compra, não era um inimigo, posto que não era um estranho. E, principalmente, sabia manejar com certa habilidade os valores que se esperavam que ele possuísse. Entretanto, mesmo reconhecendo todos esses valores, ou talvez, exatamente por tê-los, o escravo crioulo também fugia em proporções elevadas.
Um desses valores que os crioulos dominavam era, sem dúvida, o conhecimento de uma profissão. Entre os 106 escravos anunciados, apenas 15 fugitivos tinham algum tipo de especialização profissional. Todos homens. Destes, 12 eram crioulos. O que podem significar estes números? O que primeiro chama a atenção é o fato de sugerirem que para o crioulo, portador de uma cultura mais adaptada aos padrões coloniais, conhecedor da língua e integrante de redes sociais amplas e estáveis, era mais fácil o aprendizado de uma profissão.
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1 FLORENTINO, Manolo & GÓES, José R. Tráfico negreiro e estratégias de socialização parental entre os escravos do meio rural do Rio de Janeiro - 1790-1830. In: Lemos, Maria T. América Latina e caribe: desafios do século XXI., Rio de Janeiro, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 1995. p. 201-219
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