Os negros haviam sido enganados pelos árabes e caberia aos cristãos a missão de salvar estas almas perdidas através da verdadeira religião.
“...circoncisos sem saberem a razão porque a tal circoncisão fazem e costumam; somente dizem que o fazem por andarem limpos, e outros dizem que não fariam geração se se não circoncisassem, outros que assi o costumaram seus padres...”1
Um outro elemento que caracterizaria o estado bruto e primitivo do africano era o seu corpo. Este era observado e rotulado como disforme e horrível. O povo Azenegues2, pardo e simpatizante do maometismo, relatou para Cadamosto como era um povo negro com quem estes comercializavam o sal de pedra. Relataram que, “... eram homens muito pretos e bem formados de corpo, e maior um palmo do que eles; e têm o lábio inferior com mais de um “somesso” [medida italiana] de largo, o qual cai até o peito, grosso e vermelho, mostrando pela parte de dentro deitar como que sangue; e o lábio de cima tinha no pequeno como os seus. Em razão da qual forma dos lábios, mostram a gengiva e os dentes, que diziam ser maiores que os seus; e [diziam] ter aos lados dois grandes dentes e [que] tinham dois olhos grandes e negros; e que eram terríveis de aspecto; e que as gengivas deitavam sangue, tal como o lábio...” 3
Esta descrição é interessante em vários aspectos. Mesmo para os que viviam no território africano, os habitantes negros eram percebidos como diferentes. Provavelmente, o mesmo poderia ser identificado numa relação inversa: os povos negros também deveriam ver os claros que viviam ali como seres ‘diferentes e feios’. Cada grupo via o outro exatamente desta forma, como “o outro”4; e um outro disforme.
Os Azenegues viam os lábios dos negros como excessivamente grandes, grossos e vermelhos, e os dentes também muito grandes. Possuíam dois olhos, entretanto, eram “grandes e negros”. O resultado desta combinação de traços é que eles eram “terríveis de aspecto” - eram diferentes. A descrição feita pelos Azenegues se pauta na diferença. Eles são descritos com elementos que os distanciam destes. Pode-se inferir deste discurso que a lógica que pautava o raciocínio dos Azenegues era a de que eles não eram negros e nem disformes. Pelo contrário, se assemelhavam com os europeus. Logo, não deveriam ser escravizados. Os outros, sim.
Trecho de um trabalho de Marcia Amantino.
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2 Azenagues era um povo que vivia nos limites com a parte negra da Africa e que mantinha intenso comércio tanto com estes como com os árabes. Eram pardos e professavam a fé maometana. No início, os portugueses os aprisionavam e os vendiam como escravos, mas depois, houve um acordo e passaram apenas a negociar com eles.
3 CADAMOSTO, Luis de. op. cit. p. 111 e 112
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