Um outro elemento que pode ser percebido nos anúncios do jornal “O Universal” remete aos aspectos culturais dos fugitivos. Dos 106 escravos anunciados, 24 foram descritos com algum indício que nos permitiram identificar determinados itens culturais. Deste universo de 24 escravos, 14 eram africanos que possuíam traços distintivos de sua cultura de origem marcados definitivamente nos corpos: 7 tinham nos rostos, peito e braços, as marcas de suas nações; 5 possuíam os dentes limados ou abertos, 1 possuía um furo no lábio superior e 1 tinha as orelhas com furos.
Rugendas1 foi um dos artistas que, preocupado em registrar as diferentes etnias dos escravos no Brasil, acabou por identificar também as suas marcas étnicas. Entretanto, nos seus relatos textuais propriamente ditos, não se encontra qualquer referência. As marcas corporais são elementos importantes em diferentes culturas. São elas que estabelecem o sentimento de pertencimento a este ou aquele grupo. E, mais ainda, as marcas servem para registrar a memória do grupo. O corpo assume assim, o espaço onde são inscritos elementos tribais importantes e que não devem ser esquecidos.
De acordo com Clastres, “... A marca é um obstáculo ao esquecimento. O próprio corpo traz impresso em si os sulcos da lembrança. O corpo é uma memória...”2
Para Mendes3, os “... Pretos da África... na sua menoridade, e ainda já adultos, fazem pôr por enfeite, e sinal em as suas faces muitos lanhos...”4. Ainda segundo este autor, “... Esses ditos lanhos não só tem por fim o enfeite que eles presumem; mas também são indicativos da família, do Reino, do Presídio, e do lugar onde nasceram e são moradores...”5
Os anúncios do jornal com este tipo de descrição que priorizava os aspectos africanos foram muito comuns, em parte porque era uma maneira eficiente e rápida de localizar e reconhecer um fugitivo.
Trecho de um trabalho de Marcia Amantino.
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1 RUGENDAS, J. M. Op. Cit.
211 Ibidem
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