Parece que os escravos fugitivos de Minas Gerais, e também os do Rio de Janeiro, percebiam este fato. Francisco e Joaquim, ambos Benguelas, fugiram levando passaportes e cartas de alforrias falsas1; José Custódio, dizia ser forro, mas era um escravo fugido do Rio de Janeiro2, assim como Francisco Pantaleão3.
Joaquim, escravo da nação Camundá, demonstrou sua humanidade de outra forma: assassinou seu senhor e fugiu. O escravo era propriedade do Frei Antônio da Conceição, guarda e procurador do hospício da Terra Santa na Vila de Sabará e na noite de 31 de janeiro de 1831, assassinou seu senhor com várias facadas e feriu um outro religioso na mão. Logo depois, fugiu.
Uma outra maneira de perceber a humanidade dos escravos através dos anúncios é identificar a presença da família escrava. A existência da família era um mecanismo que provavelmente dificultava as fugas, contudo, não é possível afirmar que as impediam. A família poderia fazer com que este número decaísse, porém nunca foi um impedimento total. Infelizmente, através da
maioria dos anúncios do jornal não se pode imaginar que tipo de relações familiares possuíam os escravos que fugiam em Minas Gerais, pois apenas em quatro anúncios aparece algum tipo de indício sobre este tema. Em um dos deles aparece um casal fugindo junto3; em outro, são dois irmãos crioulos4, no terceiro, uma mulher, cujo irmão havia fugido anos antes, fugiu ajudada por um pardo5 e o último anúncio retrata uma mulher que estava fugida acompanhada de sua filha, com 7 anos de idade6.
A historiografia brasileira tradicional deu pouca importância à família escrava, chegando mesmo a afirmar que não existiria: "... a questão da existência de uma vida privada ou de uma vida familiar se apresenta como uma contradição inerente à condição escrava... Constituir família, ter uma prole é algo inacessível àqueles que não possuem nem a si próprios..." 7
Tais suposições eram baseadas na crença de que ao senhor não era conveniente a formação de famílias no conjunto de seus escravos: "... Livre para decidir sobre o conjunto da vida, os interesses do senhor parecem ter sido incompatíveis com a existência da 'família escrava' no Brasil..." 8
E que havia um grande desinteresse por parte do escravo em constituir famílias já que a qualquer momento poderiam ser desfeitas pelo sistema:
"... Na verdade, o direito civil não dá qualquer privilégio aos casais confirmados pelo sacramento religioso, pois o senhor pode continuar a separar os que a Igreja uniu, vendendo ou doando separadamente pai, mãe, filhos. Compreende-se que os escravos não vissem vantagem em casar-se..." 9
Alegavam ainda, que a elevada taxa de masculinidade não favorecia a uniões estáveis:
"... O número reduzido de mulheres, em geral, na proporção de quatro para um, às vezes cinco para um, estimulava o caráter temporário das ligações..."10
Ou mesmo que as relações sexuais entre os escravos eram apenas instintivas e promiscuas; não cabendo, portanto, a instituição do matrimônio.
Trecho de um trabalho de Marcia Amantino.
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1 Anúncio do Jornal “O Universal” 14.6.1830
2 Idem, 12.9.1827
3 Idem, 22.11.1830
4 Idem, 18.12.1829
5 Idem, s/data
6 Idem, 17.8.1831
7 Idem, 9.4.1832
8 Anúncio do Jornal “O Universal” 14.6.1830
9 Idem, 12.9.1827
10 Idem, 22.11.1830.
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