A escravização indígena, legítima ou não, mas disfarçada quase sempre, pode ser vista de diferentes maneiras e em locais e períodos distintos:
Em 1701, o Governador da Capitania do Rio de Janeiro, escreveu para o Rei dando conta de que
algumas pessoas queriam acompanhar Garcia Rodrigues em direção à nova povoação que ia se formar as margens do Paraíba. Entretanto, estavam com medo de que os “...carijós da sua administração... poderão fugir...”. O Rei respondeu a carta afirmando que “... e não tendo os índios justa causa para fugirem para o que serão ouvidos e se examinará a que tiveram para este feito, os façais logo restituir a seus donos quando se averigúe que não houve razão lícita para se ausentarem...”
Esta resposta é bastante interessante. Primeiro, o fato dos índios estarem sendo usados como uma mão-de-obra e afastados de sua vida tradicional, não seria motivo suficiente para que fugissem. A única causa aceita pelo Rei seriam os maus tratos. Entretanto, como seriam constatados se os índios realmente fugissem? Caso a fuga fosse sem motivos justos, deveriam ser entregues novamente a seus “donos”. É curioso que o próprio Rei não os tratasse como administradores, e sim como donos dos carijós. É oportuno salientar que “carijó” era todo índio escravo e o termo era usado para diferenciá-los dos escravos negros.
Em 1718, o Conde de Assumar, perdoava os amotinados da Vila de Pitangui com receio de que a região se esvaziasse novamente facilitando assim, a vida dos quilombolas e dos índios. No documento abaixo, percebe-se que além do perdão, os amotinados receberam grandes benefícios, dentre eles, a diminuição nos impostos sobre negros e carijós, ou seja, escravos indígenas:
"...concedo a todos, tanto a uns como a outros [amotinados e pessoas que quisessem ir para Pitangui], uma cobrança de quintos com suavidade, sendo que os novos moradores da vila que tiveram mais de dez negros ou carijós, nos próximos dois anos, só pagarão metade dos quintos; serão dadas aos novos moradores que tiverem família, por sesmarias “in perpetum” a eles e seus descendentes, terras para suas lavouras ..."1.
O Conde de Noronha, escrevendo em 1754 para João de Godói Pinto da Silveira, afirma que havia recebido a sua carta onde ele relatava sua entrada aos sertões mineiros. Nesta carta estava escrito também que durante a conquista ele havia sido perturbado pelos agrestes e que teria perdido, por causa de uma doença, seis Índios Bororos de muita serventia para ele porque eram treinados no uso das armas. Além do que, reclamava também que em um ataque feito à uma aldeia indígena (não informa qual) havia conseguido aprisionar poucos índios. O Conde lhe respondeu de maneira ambígua dizendo que não poderia concordar com o fato de que a expedição fosse dirigida a aprisionar índios dentro de suas aldeias, posto que o Rei proibia. Mas que ficava satisfeito pelo fato da expedição ter sido bem coordenada e explicava que possivelmente não havia sido mais lucrativa porque dias antes, dois “caciques” haviam abandonado a aldeia.
“...que bem se podia esperar uma gloriosa vitória, se os alojamentos em que estavam os gentios fossem tão populosos (como seriam) se não tivessem saído antecedentemente os dois caciques com as suas Bandeiras uma para a parte do Mogy do Campo outra para estas partes de Goiás sendo este o motivo porque V.M. fez menos prezas do que queria...”2
Continuava a carta reafirmando que o Rei não queria violências contra os indígenas, mas lembra que ele não a proibia quando os índios atacassem as expedições. Neste caso estaria liberado o uso de violência “iguais ou ainda muito maiores”. E que o Rei “.... só quer usar força da necessidade quando de outra maneira não pode rebater os insultos que o mesmo gentio ordinariamente está fazendo aos seus vassalos...”3
Um outro exemplo do uso de índios como escravos pode ser apreendido na carta que Paulo Mendes Ferreira Campelo, Comandante do Arraial do Cuieté enviou ao Governador Valadares em novembro de 1769, dando-lhe várias notícias do estado em que se encontravam as entradas ao sertão. Dizia ele também que seria muito útil se as pessoas envolvidas na conquista da região e no aprisionamento de gentios, não os pudessem reparti-los entre si sem que antes todos fossem entregues ao Comandante para que ele os distribuíssem entre os que pudessem instruí-los na fé. O objetivo do Comandante era:
“... evitar o pernicioso meio de cada um fazer seu o que apanha e distribuí-lo debaixo de algum interesse próprio como se tem visto....”4
Em 1701, o Governador da Capitania do Rio de Janeiro, escreveu para o Rei dando conta de que
algumas pessoas queriam acompanhar Garcia Rodrigues em direção à nova povoação que ia se formar as margens do Paraíba. Entretanto, estavam com medo de que os “...carijós da sua administração... poderão fugir...”. O Rei respondeu a carta afirmando que “... e não tendo os índios justa causa para fugirem para o que serão ouvidos e se examinará a que tiveram para este feito, os façais logo restituir a seus donos quando se averigúe que não houve razão lícita para se ausentarem...”
Esta resposta é bastante interessante. Primeiro, o fato dos índios estarem sendo usados como uma mão-de-obra e afastados de sua vida tradicional, não seria motivo suficiente para que fugissem. A única causa aceita pelo Rei seriam os maus tratos. Entretanto, como seriam constatados se os índios realmente fugissem? Caso a fuga fosse sem motivos justos, deveriam ser entregues novamente a seus “donos”. É curioso que o próprio Rei não os tratasse como administradores, e sim como donos dos carijós. É oportuno salientar que “carijó” era todo índio escravo e o termo era usado para diferenciá-los dos escravos negros.
Em 1718, o Conde de Assumar, perdoava os amotinados da Vila de Pitangui com receio de que a região se esvaziasse novamente facilitando assim, a vida dos quilombolas e dos índios. No documento abaixo, percebe-se que além do perdão, os amotinados receberam grandes benefícios, dentre eles, a diminuição nos impostos sobre negros e carijós, ou seja, escravos indígenas:
"...concedo a todos, tanto a uns como a outros [amotinados e pessoas que quisessem ir para Pitangui], uma cobrança de quintos com suavidade, sendo que os novos moradores da vila que tiveram mais de dez negros ou carijós, nos próximos dois anos, só pagarão metade dos quintos; serão dadas aos novos moradores que tiverem família, por sesmarias “in perpetum” a eles e seus descendentes, terras para suas lavouras ..."1.
O Conde de Noronha, escrevendo em 1754 para João de Godói Pinto da Silveira, afirma que havia recebido a sua carta onde ele relatava sua entrada aos sertões mineiros. Nesta carta estava escrito também que durante a conquista ele havia sido perturbado pelos agrestes e que teria perdido, por causa de uma doença, seis Índios Bororos de muita serventia para ele porque eram treinados no uso das armas. Além do que, reclamava também que em um ataque feito à uma aldeia indígena (não informa qual) havia conseguido aprisionar poucos índios. O Conde lhe respondeu de maneira ambígua dizendo que não poderia concordar com o fato de que a expedição fosse dirigida a aprisionar índios dentro de suas aldeias, posto que o Rei proibia. Mas que ficava satisfeito pelo fato da expedição ter sido bem coordenada e explicava que possivelmente não havia sido mais lucrativa porque dias antes, dois “caciques” haviam abandonado a aldeia.
“...que bem se podia esperar uma gloriosa vitória, se os alojamentos em que estavam os gentios fossem tão populosos (como seriam) se não tivessem saído antecedentemente os dois caciques com as suas Bandeiras uma para a parte do Mogy do Campo outra para estas partes de Goiás sendo este o motivo porque V.M. fez menos prezas do que queria...”2
Continuava a carta reafirmando que o Rei não queria violências contra os indígenas, mas lembra que ele não a proibia quando os índios atacassem as expedições. Neste caso estaria liberado o uso de violência “iguais ou ainda muito maiores”. E que o Rei “.... só quer usar força da necessidade quando de outra maneira não pode rebater os insultos que o mesmo gentio ordinariamente está fazendo aos seus vassalos...”3
Um outro exemplo do uso de índios como escravos pode ser apreendido na carta que Paulo Mendes Ferreira Campelo, Comandante do Arraial do Cuieté enviou ao Governador Valadares em novembro de 1769, dando-lhe várias notícias do estado em que se encontravam as entradas ao sertão. Dizia ele também que seria muito útil se as pessoas envolvidas na conquista da região e no aprisionamento de gentios, não os pudessem reparti-los entre si sem que antes todos fossem entregues ao Comandante para que ele os distribuíssem entre os que pudessem instruí-los na fé. O objetivo do Comandante era:
“... evitar o pernicioso meio de cada um fazer seu o que apanha e distribuí-lo debaixo de algum interesse próprio como se tem visto....”4
Texto Anterior: O governador D. Marcos de Noronha e a escravização dos índios.
1 Bando de Assumar em 30 de maio de 1718. Citado por MARTINS, Tarcísio José. Quilombo do Campo Grande: a História de Minas roubada do povo. São Paulo: Gazeta maçônica, 1995 p. 27
2 Carta do Conde de Noronha para João de Godoi Pinto da Silveira Arraial de Prairas 11 de janeiro de 1754 (Goiás) , Biblioteca Nacional doc. 17 - 1,4,1 papeis vários.
3 Ibidem
4 Carta que Paulo Mendes Ferreira Campelo, Comandante do Arraial do Cuiethé enviou ao Governador Valadares em novembro de 1769. Biblioteca Nacional 18,2,6 Arquivo Conde de Valadares (Biblioteca Nacional, Seção de Manuscritos)
3 Ibidem
4 Carta que Paulo Mendes Ferreira Campelo, Comandante do Arraial do Cuiethé enviou ao Governador Valadares em novembro de 1769. Biblioteca Nacional 18,2,6 Arquivo Conde de Valadares (Biblioteca Nacional, Seção de Manuscritos)
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