As idéias sobre o Sertão e sua natureza, e sobre os índios, podem ser melhor entendidas com base no pensamento filosófico e científico europeu a partir do final do século XVII. As origens da idéia da superioridade européia sobre os demais povos podem ser encontradas nos pensadores do século XVII que, ao desenvolverem a noção de que o povo europeu havia atingido um grau elevado de civilização através do uso da Razão, justificaram a fé inabalável no Progresso, obtido graças aos esforços de uma sociedade que vivia sob o domínio das Leis. Se a sociedade européia era vista como a civilizada, as demais eram o seu oposto. Tratavam-se de povos sem cultura, ou no mínimo, com uma cultura atrasada. Desta maneira, inaugurava-se o racismo natural baseado na razão e nas ciências, e balizado pelo europocentrismo. (Poliakov)
Estas idéias forneceriam as bases para que no século seguinte, os iluministas pudessem filosofar a respeito das diferenças entre a humanidade. De acordo com Benzaquen, a partir do século XVIII, e principalmente do Iluminismo e da Revolução Francesa, foram elaboradas duas concepções sobre os gêneros humanos. A primeira delas, o poligenismo, teve como seu mais ilustre defensor, Voltaire, para quem a superioridade branca justificaria a escravização dos negros. Para os adeptos desta corrente, a raça humana teria sido criada a partir de vários centros, “...muitos, inclusive, antecedendo o aparecimento de Adão...”. (Benzaquen) Acreditavam que as diferenças entre as diversas raças humanas estariam explicadas no fato de que descendiam de raças “completamente distintas”. (Benzaquen)
A segunda concepção, contrária à primeira, defendia a noção de que existia apenas uma única origem para a humanidade. Buffon, um dos maiores partidários desta linha de pensamento, explicava que as diferenças entre as raças eram causadas pelos variados ritmos de evolução que cada povo passava. Todos, de uma forma ou de outra, deveriam atingir o mesmo estágio cultural que a Europa já havia conquistado. Era uma questão de tempo e de competência.
Em sua obra Histoire naturelle, générale et particuliére, publicada em 1749, analisou, segundo as concepções da época, a história natural de todos os seres vivos habitantes do planeta. Utilizava para suas análises os relatos de viajantes que percorreram diferentes partes do mundo, diários de viagens, observações de naturalistas, e as cartas trocadas entre os ilustrados e a Academia de Ciência.
Com relação à América, Buffon defendia a tese de que haveria uma debilidade e uma imaturidade geral nesta região: tanto os animais quanto os homens estariam presos a este problema. Os animais, com exceção dos insetos e dos répteis, seriam pequenos e mais frágeis se comparados aos da Europa e os homens, presentes também em número reduzido, viviam esparsos e errantes, não tendo conseguido em momento algum dominar o território e nem submeter os animais ou a natureza a seu favor. Era um ser que vivia de maneira débil e sem a preocupação de progredir. A causa desta pequenez dos homens e dos animais poderia ser buscada, segundo Buffon, nas condições apresentadas pela natureza: a América era extremamente úmida.
Em função do calor constante, chovia muito, fazendo com que os rios, lagos, lagoas, ribeirões e riachos ficassem cheios durante muito tempo ao ano. O sol desta forma, não conseguia aquecer totalmente a superfície da terra, daí, a geração de animais pequenos e de um homem de natureza fria, sem qualquer aptidão para o desenvolvimento e para o progresso. A natureza ainda estaria em um estado de amadurecimento. (Gerbi).
Trecho de um trabalho de Marcia Amantino.
Comentários