A Guerra Justa seria assim, o mecanismo mais utilizado para a obtenção desta mão-de-obra. Esta era, segundo Farage, “um conceito teológico e jurídico enraizado no direito de guerra medieval”. As principais justificativas para a guerra seriam a propagação da fé aos povos bárbaros, sua falta de moralidade, suas práticas canibais e os casos de ataques à sociedade estabelecida.
Novamente utilizando a longa duração, pode-se ver que estas são as mesmas justificativas apresentadas por Sepúlveda em 1550, quando da discussão sobre a possibilidade de escravização dos índios da América. Suas idéias baseavam-se na inferioridade destes e na superioridade dos europeus. Logo, seguindo as idéias de Aristóteles, poderiam ser escravizados. Seus pressupostos eram os seguintes:
1.
“É legítimo sujeitar pela força das armas homens cuja condição natural é tal que deveriam obedecer aos outros, se recusarem essa obediência e não restar nenhum outro recurso." Em Minas Gerais, o uso de armas de contra os índios estava autorizado caso estes atacassem ou interferissem na colonização. O documento a seguir é um bom exemplo desta prática, ainda que não seja o único:
“...Sua majestade, que Deus guarde atendendo as devassas e representações que se lhe mandaram sobre as mortes, roubos e insultos que tem feito os gentios Paiaguazes [Cataguases] e mais bárbaros que infestam essas Minas e o seu caminho foi servido mandar lhe dar guerra para a qual manda assistir com armas. pólvora e bala e os mais petrechos necessários declarando a todos os gentios que se aprisionarem por cativos e que estes sejam repartidos pelas pessoas que se empregarem na dita guerra.” (Carta do Conde de Serzedas para Antonio Pires de Campos em 15 de outubro de 1733)
2.
É legítimo banir o crime abominável que consiste em comer carne humana, que é uma ofensa particular à natureza, e pôr fim ao culto dos demônios, que provoca mais que nada a cólera de Deus, com o rito monstruoso do sacrifício humano. Para a realidade mineira, temos, dentre outros, o seguinte documento:
“...Este gentio [Caiapó] é de aldeias, e povoa muita terra por ser muita gente, cada aldeia com seu cacique, que é o mesmo que governador, a que no estado do Maranhão chamam principal, o qual os domina, estes vivem de suas lavouras, e no que mais se fundam são batatas, milho e outros legumes, mas os trajes destes bárbaros é viverem nus, tanto homens como mulheres, e o seu maior exercício é serem corsários de outros gentios de várias nações e prezarem-se muito entre eles a quem mais gente há de matar, sem mais interesse que de comerem os seus mortos, por gostarem muito da carne humana, e nos assaltos que dão aqui e presas que fazem reservam os pequenos que criam para seus cativos...” (CAMPOS, Antonio Pires de) Estes índios caiapós foram sistematicamente guerreados e, posteriormente, extintos.
3.
É legítimo salvar de graves perigos os inumeráveis mortais inocentes que esses bárbaros imolavam todos os anos, apaziguando seus deuses com corações humanos.
Nos documentos localizados sobre os indígenas de Minas Gerais que eram acusados de antropofagia, não foi identificada nenhuma informação sobre o motivo pelo qual supostamente comeriam carne humana, além do fato de serem associados às feras e apreciadores desta. Ou seja, o aspecto cultural destas sociedades não foi em nenhum momento levado em consideração por aqueles que tiveram contatos com eles.
4.
A guerra contra os infiéis é justificada, pois abre caminho para a difusão da religião cristã
e facilita o trabalho dos missionários.”
Trecho de um trabalho de Marcia Amantino.
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