As mesmas concepções podem ser vistas em Alexandre Rodrigues Ferreira, um estudioso baiano de História Natural, que tinha o objetivo de conhecer a natureza e os habitantes das capitanias de Grão-Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá durante uma viagem empreendida nos anos de 1783 a 1792. Diz o autor que o objetivo maior de sua viagem era:
“... recolher e aprontar todos os produtos dos três reinos da natureza que encontrasse e remetê-los ao Real Museu de Lisboa, bem como fazer particulares observações filosóficas e políticas acerca de todos os objetos da viagem...” (Barreto)
Este estudioso concordava com Buffon ao afirmar que “A América desde o seu princípio só produziu animais pequenos em comparação com os do mundo antigo...” (Ferreira) Ao descrever os índios Tapuia chegou a algumas conclusões interessantes e que respaldavam o que já se admitia sobre este indígena. Para ele o Tapuia era um homem, assim como qualquer outro. Possuía uma grande diversidade de cor, língua e moradia em virtude de habitar diferentes áreas com características diversas. Mas, mesmo com todas estas particularidades, o autor informa que: “... Ao se ver um, pode-se dizer que estamos vendo todos...” (Ferreira)
Para o autor, estes índios não possuíam qualquer tipo de individualidade ou de identidade que pudesse ser destacada, ainda que ele mesmo tivesse demonstrado a existência de diferenças. Mas, essas diferenças eram apenas as que ele classifica como sendo acidentais ao ser humano, ou seja, a cor da pele, do cabelo, e outras89. Para Alexandre Rodrigues, assim como para a grande maioria dos naturalistas de sua época, o índio, quer fosse Tapuia ou Tupi, não passava de uma tábula rasa onde poder-se-ia inscrever a civilidade. Suas diferenças não eram percebidas porque sua cultura não era identificada enquanto cabível, posto que não era baseada nos ensinamentos cristãos. O índio apresentado por ele era uma massa homogênea e com o espírito menos ativo que o dos negros, também selvagens.
Esta imagem, ou melhor, esta falta de imagem do índio não era nova. Colombo, também via assim os índios contatados. Para ele, os indígenas não possuíam “qualquer propriedade cultural... e [eram todos] parecidos entre si”. (Todorov) A continuidade na percepção do indígena é fantástica: Frei Vicente do Salvador, a mostra da seguinte maneira:
“... O que de presente vemos é que todos são de cor castanha e sem barba, e só se distinguem em serem uns mais bárbaros que outros (posto que todos são assaz)...”
Novamente o que se consegue perceber nos índios são os aspectos físicos – cor de pele e falta de
barba – e também a falta de civilidade. Desta forma, o índio não é descrito pelo o que ele é, e sim, pelo que lhe falta; no caso, a civilidade. Ele é, portanto, um bárbaro sem cultura e preso à natureza .
Com relação ao trabalho, Alexandre Rodrigues informa que os índios eram, em alguns casos, superiores aos negros, e em outras circunstâncias de nada serviam em função de sua propensão ao não-trabalho: “... a sua indolência e toda a sua felicidade consiste em não trabalhar...” (Ferreira)
Segundo ele, haveria trabalhos que os negros desenvolveriam melhor que os índios:
“... Um preto para uma diligência ao mato é menos ágil que um gentio, assim também para o serviço das canoas e em tudo que se relacione ao pescar, nadar, remar pelos rios, ele não tem a
sua esperteza. Por outro lado, para o trabalho na enxada e do machado o negro é mais forte. Há gentio que quando obrigado a trabalhar, imediatamente se deixa levar pela violência. Um preto, constrangido ou não, dá conta da tarefa que se lhe impõe, contanto que não lhe falte o sustento. Isto porque sofrem menos a fome do que os gentios e bem alimentados recompensam a despesa e o cuidado de seus senhores. Os gentios, alimentados ou não, são inimigos do trabalho porque não podem fazê-lo quando lhes falta alimento e mesmo abastados, não querem...” (Ferreira)
De acordo com este autor, haveria algumas causas que faziam com que os índios não se dedicassem ao trabalho. Seriam elas conseqüência de não “... estarem, desde que nasceram, acostumados a trabalhar...”
Para ele “ ... os meios que facilita[riam] o trabalho est[ariam] ausentes: [porque] não [haveria] instrumentos, ignora[riam] a arte da fundição e o uso dos metais úteis, [e] não se serv[iam] da ajuda de animais...” Além do que “ A natureza tudo lhes oferece sem cobrar fadigas e trabalhos em troca do sustento e do regalo.” E era “ tão limitada a esfera de seus desejos e necessidades que na menor atividade praticada, ficam amplamente satisfeitos, sem precisarem de se fadigarem para alcançar os meios necessários à satisfação.” Concluindo, havia “ A liberdade de relação dos dois sexos, onde, quando e como lhe apetecem.” (Ferreira)
Trecho de um trabalho de Marcia Amantino.
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