Para os portugueses da época das Grandes Navegações, “Sertões” eram identificados em quase todas as partes do mundo. Já na Carta de Pero Vaz de Caminha a idéia está presente. No dia 1 de maio de 1500, ele escrevia que:
“... Esta terra senhor, me parece que da ponta que mais contra o sul vimos até outra ponta que contra o norte vem, de que nós deste porto houvemos visto, será tamanha que haverá nela bem vinte ou vinte e cinco léguas por costa. Tem, ao longo do mar, nalgumas partes, grandes barreiras, delas vermelhas, delas. Esta publicação já se encontra em sua totalidade gravada em brancas; e a terra por cima toda é chã e muito cheia de grandes arvoredos. De ponta a ponta, é tudo praia-calma, muito chã e muito formosa. Pelo sertão nos pareceu, vista do mar, muito grande, porque a estender os olhos, não podíamos ver senão terra com arvoredos, que nos parecei muito longa...”.
Referindo-se às aves, afirmava que “...os arvoredos são muitos e grandes e de infinitas maneiras, não duvido que por este Sertão haja muitas aves...” Para o autor posicionado no litoral, o restante da terra, ou seja, aquele que eles não percorreram, era o “Sertão”, região oposta à Costa. Portanto, a primeira definição do termo Sertão para estes homens era toda a porção de terra que estivesse longe do litoral, única área conhecida, explorada e quase sempre controlada. O Sertão era a região do desconhecido, do descontrole e, portanto, de perigos para os civilizados.
Os Sertões foram definidos pelos primeiros cronistas da época colonial em relação ao seu afastamento dos núcleos populacionais, sua escassa população, pela dificuldade em transitar pelos seus caminhos, quase sempre trilhas dentro de matas, e pelo perigo constante de ataques de feras, de índios ou de quilombolas.
Gandavo, em 1573, tratou dos perigos reinantes no Sertão com relação aos índios, vistos por ele como perigosos, posto que não eram humanos: “... porque ninguém pode pelo Sertão dentro caminhar seguro nem passar por terra onde não ache povoações de índios armados contra as nações humanas...”
O próprio Sertão era para ele um local onde os homens precisavam ter todo o cuidado para que não perecessem. Narrando sobre uma expedição enviada para procurar ouro, assim se referiu:
“... disto não fizeram mais experiência por ser aquilo no deserto e haver muitos dias que padeciam grande fome nem comiam outra coisa senão semente de ervas e alguma cobra que matavam... nem podiam esperar pelas guerras dos índios que se alevantaram contra eles...”
Não era apenas Gandavo que o identificava desta maneira. Além dele, os demais cronistas que trataram sobre os períodos iniciais da colonização como Pero Lopes de Souza, Gabriel Soares de Souza, Frei Vicente do Salvador e outros, associaram o Sertão a um local do vazio, de perigo e do desconhecido. Era uma área oposta à região colonial, já colonizada e controlada. Mas o Sertão era, contraditoriamente, uma região de riquezas. Lá estariam o ouro, a prata e os possíveis escravos indígenas. Ou seja, o Eldorado. Assim, o interesse da Coroa e também dos colonos em localizar riquezas prevaleceria sobre o medo e sobre as dificuldades impostas à conquista desta área.
Para Gandavo, que escrevia com o objetivo de atrair pessoas para povoar a terra recém descoberta, o Sertão era também um local onde se achariam as riquezas prometidas.
Ainda que afirmando não serem os índios confiáveis, porque bárbaros, acreditou na história contada por eles de que haveria uma lagoa onde se encontraria muito ouro - a Lagoa Dourada:
“... Principalmente é publica fama entre eles que há uma lagoa mui grande no interior da terra donde procede o Rio de São Francisco... dentro da qual dizem haver algumas ilhas e nelas edificadas muitas povoações, e outras ao redor dela mui grandes onde também há muito ouro, e mais quantidade, segundo se afirma, que em nenhuma outra parte desta Província...”
Trecho de um trabalho de Marcia Amantino.
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